NÃO ERA PRA SER BOM

por Carlos Gerbase

(PRÉ-EDITORIAL)

Hoje é segunda-feira, 22 de fevereiro. Não recebi ainda todas as matérias para o NÃO 61, mas já sei que este NÃO não será muito diferente dos últimos NÃOs de que se têm notícia: bastante literatura, algumas matérias opinativas, um pouco de humor, enfim, leitura razoavelmente agradável, amadorísticamente editada por estes eternos aprendizes de HTML que somos nós, aos 40, tentando utilizar um veículo que funciona bem melhor nas mãos de quem tem 14. Mas assim é a vida, e assim são os editoriais: espaços materiais a preencher no meio do grande nada.

Não que não tenha assunto. Não. Tenho até dois. O primeiro é conseqüência dessa melancolia de constatar que o NÃO não fez revolução (como já escreveu o editorialista do NÃO 60), nem ameaçou a Zero Hora (cadê a reação indignada do Barrionuevo à matéria sobre a sua não-pessoa?), nem conseguiu gerar novas polêmicas, com exceção dessa bobagem do Zanella x Pós da Puc, que, na minha modesta opinião, não discute ética, nem estética. Discute... Não discute nada.

E, porra!, a gente se esforçou nas horas vagas! Perdemos tempo escolhendo as figurinhas, recolhendo textos do fundo do baú, selecionando as matérias enviadas, para que pelo menos algumas ficassem de fora (o que, apesar do desgosto dos não-publicados, é o primeiro passo para atender ao gosto dos leitores). E tudo em vão. Ou não? Não sei. Talvez a gente goste muito de se esforçar nas horas vagas.

O segundo é conseqüência de uma coisa que li no Cardoso On-Line (COL, para os íntimos), para o qual enviei, tempos atrás, uma poesia pornográfica já recusada (por mim mesmo) para o NÃO. Eles publicaram (acho que publicam qualquer coisa) e agora pedem que eu envie mais. Talvez envie mesmo, porque a melancolia gera o ócio, que, como todos sabem, é o jardim do diabo e o paraíso da pornografia (nem sempre literária). Mas o que eu quero dizer é que tenho uma certa inveja do COL, que sai duas vezes por semana, não tem figurinha nenhuma, tem um monte de bobagens ilegíveis no meio de bogagens legais, e até não-bobagens interessantes, e, principalmente, tem a vida de seus colaboradores expressa com franqueza, às vezes com repetições desnecessárias e detalhes particulares demais, mas sempre com honestidade. É um jornal de turma, como um dia o NÃO também foi. E tem vida.

Não que o NÃO não a tenha. Mas o COL tem uma vida mais vicejante, mais luxuriosa, mais exagerada, se me entendem, e todo o exagero tem suas conseqüências negativas, às vezes cansa, mas também sacia a fome de viver com mais sensualidade, permitindo até que um fio de baba escorra do canto da boca ao final da mordida. Enquanto isso, o NÃO, que renasceu na Internet para ser mal-comportado e confrontar-se com o mundo, segue sua trajetória comedida, com editores que se revezam nos momentos de folga e não têm qualquer aspiração jornalística mais profunda. Isso talvez decorrência do COL ser feito por jovens e esperançosos estudantes de jornalismo, enquanto o NÃO é feito por velhos jornalistas que desistiram do jornalismo (e, eventualmente, até dão ou deram aula para os ditos estudantes, o que é uma prova de que, como diziam nossas avós, o mundo está mesmo virado). Mas não quero falar do COL (apesar de recomendar sua assinatura). Quero falar do NÃO.

Não acho que o caminho seja copiar o ardor juvenil do COL. Seríamos como esses velhos atores de Hollywood, tipo Robert Redford no abominável "Íntimo e pessoal" (filmes ruins sempre tem alguma coisa a ensinar, como diz, tão sabiamente, o mestre Damasceno Ferreira), tentando posar de galã quando deveriam posar de vovô. Nada contra a idade, nada contra vovôs sexualmente ativos, mas tudo contra maquilagem em excesso. Temos que simplesmente voltar ao velho caminho do NÃO: mais jornalismo, mais filosofia, mais troca de experiências pessoais, sem com isso negar nossos pendores literários. Ou, quem sabe, tentar uma literatura mais urgente, mais parecida com um peido que se esvai no ar, mas deixa sua marca no grande público, do que com um cagalhão, tão orgulhoso de sua massa e de sua presença física, mas que se esvai na patente sempre de forma anônima, apreciado apenas pelo seu autor. Enfim, metáforas escatológicas nunca foram o meu forte.

Uma outra coisa que percebo: o NÃO perdeu quase todas as suas referências originais. Me refiro às coisas que são comuns a um determinado grupo de pessoas, que são bastante compreensíveis para esse grupo, mas que para outros grupos (ou para a maioria da população) perdem um pouco (ou muito) da sua significação. Voltando a comparar (sem comparar, não existiria ciência, nem crítica, nem auto-crítica), o COL é uma imensa massa auto-referente, que tem menos significado à medida em que aumenta a distância entre a FABICO e a casa do leitor, mas que provoca empatia imediata e grande eficiência de comunicação se o leitor conhece a FABICO e alguns de seus alunos. Ou pelo menos a cidade de Porto Alegre. Ou pelo menos o que é uma faculdade de comunicação. Ou pelo menos o que é ser um estudante. Ou pelo menos o que é ser um ser humano. Mas isso já é pedir demais ao pobre leitor. Tentando resumir, já que está confuso: acho perigoso perder as referências, tentar fazer um jornal que tenta ser "universal". "Universal" é a empresa que banca os filmes do Spielberg, cada vez mais pedante e meloso (parece o Pink Floyd em seus piores momentos).

(PÓS-EDITORIAL)

Hoje é segunda-feira, 15 de março, e estou tentando terminar de editar essa porra aqui. Na verdade, essa porra ficou bem melhor do que eu pensava: chegaram várias coisas não-ficcionais, chegou o dicionário do Fischer, o Giba terminou de transcrever a entrevista com o Peninha, alguns contos novos são realmente bons... Tremei de inveja, COL! Quem tem José Roberto Torero de colunista fixo? Quem tem um dicionário de porto-alegrês praticamente completo? Quem tem Jorge Furtado ensinando David Lodge a escrever um bom final de romance? Quem tem correspondentes no Rio de Janeiro, em Londres, na Alemanha, em Cachoeirinha? Quem tem tantas mulheres talentosas, belas e gentis colaborando: Lulit, Clarah, Alice, Bela, Simone, D. Cassiel, Nádia, Magda, Carla, Tatiana, Lupa? Isso já é um harém! Quem tem tantos rapazes simpáticos, cultos, másculos e criativos (inclusive os melhores do COL) matando o pau e mostrando a cobra?

Para terminar, devo dizer que me diverti editando este NÃO em minhas horas de folga; que não me estressei buscando figurinhas difíceis (usei apenas duas fotos de uma viagem recente: há um prêmio magnífico para quem descobrir onde foram tiradas); que é um prazer trabalhar neste órgão que consegue sobreviver apesar das doses cavalares de auto-crítica de seus editores e colaboradores. E peço sinceras desculpas por não ter conseguido produzir uma nova "Garota que diz não". Sei que a lacuna é motivo de choro e ranger de dentes pra todo mundo, menos pro Giba. Também peço desculpas aos colaboradores que não foram publicados, por falta de espaço e/ou opções editoriais. Continuem enviando. Um dia nós acertamos.

Mas taí o NÃO 61, sem qualquer pretensão além de diverti-lo, caro leitor. O que, para nós, que já perdemos a juventude, as referências e a possibilidade de fazer a revolução, é uma pretensão e tanto.