MEU MUNDO CAIU

por Thedy Corrêa

Sei que alguns vão me acusar de ranzinza, preconceituoso, elitista, mal-humorado, insensível e todo tipo de carapuça que normalmente se coloca naquelas pessoas que resistem à unanimidade popular. Vou vesti-las todas sem protestar. Assumo que minha paciência já não é mais a mesma, mas me parece mais adequado substituir a palavra PACIÊNCIA por outra mais sincera: TOLERÂNCIA. Vou direto ao ponto: PAGODE & AXÉ.

Não suporto mais a ditadura da alegria imbecilizante, a vulgaridade amparada em uma suposta sensualidade da mulher brasileira, músicas com letras-de-sentido-dúbio-baixa-qualidade-e-gosto-prá-lá-de-duvidoso, danças da garrafa, do robô, da vassoura, etc... em fim: este "bom momento" pelo qual a música popular brasileira está passando! É isto mesmo. Esta é a unanimidade burra – Nelson Rodrigues tinha razão – que todos os meios de comunicação estão obrigando-nos a aceitar e engolir sem reclamar. Estamos diante de mais uma compulsoriedade à qual somos submetidos sorrateiramente.

Você lembra quando Fernando Collor fez uma festa nos jardins da Casa da Dinda e as principais redes de televisão mostraram para todo país o apoio que ele estava recebendo dos principais nomes da música sertaneja? Estavam todos lá: Zezés, Xitões, Leonardos e Giovannis. Fico pensando quanto custou este apoio... em dinheiro... Nunca ouvi nenhum deles lamentar este ato ou sequer tentar justificar de onde saía tanta convicção – afinal o processo de impeachment já estava à pleno vapor e encaminhando-se para o desfecho que hoje todos nós sabemos.

Qual meu objetivo ao lembrar isto? Vou colocar tudo no mesmo saco: a quem interessa esta alegria que massacra? A quem interessa o entorpecimento mental ao qual nosso público vem sendo submetido? Ao eterno carnaval que contaminou o país ? Dizem que é a mais pura manifestação da cultura popular. Samba genuinamente brasileiro. Uma ova! Uma das características rítmicas do samba é a sincopa, coisa que estes novos grupos, em sua maioria esmagadora, ignoram solenemente.

Sem falar na mulher burra-fácil-loira-bunduda-submissa que é o trunfo e a imagem predominante de cada um destes grupos. Imaginem agora se alguém resolvesse criar um grupo chamado "Raça Branca", ou "Só Branco, sem Preconceito" (aqui eu faço uso de um ponto-de-vista apontado pelo Lobão em uma entrevista à revista Veja).

Alguém pode argumentar que este é o gosto popular... É verdade. Mas ninguém pode ser tão ingênuo a ponto de não ver o quanto esta estética serve de maneira perversa ao emburrecimento e a estupidificação que toma conta do povo brasileiro em TODAS AS CLASSES sociais.

NÃO PENSE! NÃO DISCORDE! DIVIRTA-SE! A BUNDA DA CARLA PEREZ! A MÁSCARA DA TIAZINHA! O NOSSO PAÍS É UMA MARAVILHA! O NOSSO PAÍS ESTÁ UMA MARAVILHA!

É inegável que os artistas destes grupos de sucesso são mais maleáveis no trato com as gravadoras e com os programas de TV - quero apenas tentar ilustrar: imagine Renato Russo ou Fernanda Abreu lutando na piscina de lama do Gugu, ou os Racionais apresentando o caminhão do Faustão.

Cada vez mais os artistas que escrevem canções de poesia sensível, que fogem da vulgaridade, colocam reflexão, questionamento, crítica social e/ou alguma espécie de protesto no seu trabalho estão sendo literalmente banidos do mainstream – a grande mídia. Quantas vezes nos últimos meses você viu os Paralamas do Sucesso no programa do Faustão? E quantas vezes você viu o Negritude Júnior? E a banda Beijo? A relação é de 20 para 1. Não sou ingênuo a ponto de achar que estes programas são espaços democráticos, mas daí a esta ditadura violenta é algo só visto no período dos governos militares. Pode ser que a velha MPB esteja passando por uma crise criativa, mas isto não é um argumento válido, posto que a baixa qualidade destas músicas que ocupam 10 dos 10 primeiros lugares das paradas de sucesso salta aos olhos.

Por fim, assumo uma certa incoerência em todo este discurso: não sou contra a existência do Pagode&Axé – aliás sou absolutamente contra qualquer tipo de censura – mas sou completamente contrário a esta forma impositiva com que se "divulga" este tipo de música. Fico pensando a que espécie de pressão foi submetido o adolescente que não gosta de pagode neste último verão: - Cara chato esse aí! Não sabe se divertir... Que mala!

Exagero? Não. Eu mesmo tive minhas opiniões confundidas com uma espécie de inveja-recalque... É assim que unanimidade burra se manifesta: ela não admite contestação. A discordância é logo classificada pejorativamente e invalidada como argumento.

Erguer a voz contra o "pensamento comum" é uma tarefa ingrata. Eu mesmo, enquanto escrevo, experimento um certo desconforto, uma culpa sem motivação clara... Gastei algumas linhas tentando imaginar o contraponto, a oposição e a discordância a esta minha visão... Péssimo hábito de querer um bom bate-boca, mesmo que seja comigo mesmo.