CARTA A MEUS AVÓS

Encontrada por Lulit num lixo da Osvaldo Aranha.

Praia da Guarda, 01 de fevereiro de 99.

Queridos vô e vó

Sei que não tenho perdão, pois Natal é Natal, e eu fiquei aqui na Guarda. No dia 24, não tive coragem de ligar pra vocês porque sei que ia ouvir muito de ti, vó, e o vô talvez chorasse. Acontece que eu me apaixonei de verdade e esta paixão está sendo a coisa mais importante da minha vida no momento. Eu só consigo ficar com ele, falar com ele, pensar nele. Ele se chama Alberto, é surfista (jamais pensei que fosse me apaixonar por um), mas durante o inverno ele trabalha com uma representação de material de pesca, do pai dele, que dá algum dinheiro. Sei que vocês devem estar achando péssimo, mas ele está estudando História na católica de São Paulo. O que posso dizer a favor dele? Ele não é gay e não é cheirador de cocaína. Não vou dizer que ele não fuma maconha porque depois que vocês pegaram um baseado no meu armário, eu já disse que uso e o que eu penso desta droga que de tão leve é carregada no bolso de boa parte dos da minha idade.

Eu adoraria ter passado o Natal com vocês , que são os melhores avós do mundo. Por favor, não considerem minha ausência como uma desfeita. Mas não deu pra ir porque eu cresci muito nestas férias . Estou me sentido uma mulherzinha e não uma menina mijona e ranhenta. Não se preocupem porque como vocês cansaram de recomendar, eu estou usando camisinha e tomando pílula. Mais proteção que isto , só um cinto de castidade. Assim que der vou tentar ver como é sem camisinha. Mas isto quando eu tiver certeza que ele não está me traindo com outra menina. Na realidade, eu já tenho esta certeza, mas ainda pinta uma paranóia bem feminina. Vocês, que na verdade são meus verdadeiros pais, já que os outros dois sempre foram muito ocupados para me criar direito, são os avós mais modernos do mundo. Com que outros avós eu poderia falar de sexo e drogas? Prometo que como penitência, quando eu voltar em março, vou me dedicar ao meu curso de Letras com todo gás. Ainda estou conseguindo ler. Dos 6 livros que trouxe, já li 4. Também porque chove muito aqui na Guarda. Estou comendo super bem num restaurante vegetariano que tem aqui, mas estou um pouco magra. Também, tanta onda!

Ah, só tem mais um probleminha. Eu dei uma pequena batida com o Gol. Coisa pouca. Na verdade o Beto estava dirijindo. O seguro tá em dia, né? Na volta eu arrumo.

O pai depositou uma grana na minha conta na semana passada, que eu tirei no 24 horas de Floripa.

Queridos, o que mais posso dizer? Que sua neta é uma mulher feliz e realizada que vai chorar muito em março por ter arranjado um namorado paulista que mora a 300 reais de distância dela? Mas como Penélope, guardarei no peito as melhores recordações das noites passadas neste barraco à luz de velas, onde as baratas aladas sobem no teto de telhas sem forração, onde a água do chuveiro é gélida e onde meu coração nunca foi tão quente . Espero que entendam e me aceitem de volta nesta casa enquanto eu ainda não posso morar sozinha. Da neta que lhes adora. Elisa.