Odor do morro milenar
Nestor Jr.
Véspera de dia das mães é uma correria só. Como eu poderia agradar àquela que me deu a vida, teve que me agüentar nove meses e que perdeu noites de sono apenas para ouvir meu choro. Comecei a trabalhar esse ano e prometi dar a minha mãe um presente de dia das mães do meu primeiro ano como trabalhador desse país onde ter um emprego é sorte de poucos.
Passeando pelos corredores do Praia de Belas e vendo uma grande onda de pessoas que vem e vão de loja em loja tentando alcançar o mesmo objetivo que eu, sinto um perfume vindo das casas Lyra. Paro e penso. Não entendo de perfume, mas este de cheiro barato e adocicado me remete a um passado de, pelo menos, dez anos atrás. Esse cheiro arremessa a minha memória ao meu tempo de primário no Instituto Porto Alegre.
Havia um lugar onde brincávamos no chamado "setor 1", para crianças da primeira a quarta série, que chamávamos de "barranco". Era um terreno de chão batido cheio de galhos que formava uma espécie de "paredão" onde nós subíamos e realizávamos as nossas maiores fantasias de heróis, mocinhos e, porque não, vilões. Na parte aonde fica a subida da Casemiro de Abreu vinha um forte odor desse perfume que lembro agora. Foram três anos onde os Comandos em Ação tinham como obstáculo aquele odor maligno do inimigo.
Começo a puxar mais coisas da memória. Lembro dos velhos companheiros. Aonde estão eles? O que fazem agora? As meninas! Ah, as meninas. As velhas paixões de infância, onde um beijinho de leve na boca valia mais do que noites de sexo ardente nos dias de hoje. Grandes esquadrões se formaram naquela época, onde eu era o dono absoluto da camisa número 6, o dono da lateral-esquerda. As várias idas à diretoria por causa de nossas grandes escapadas pelo gigantesco território do colégio. Fugas que iam da piscina, passavam pelo ginásio e chegavam aos laboratórios de ciências da faculdade, onde ficavam os corpos mortos para estudo. Não posso me esquecer das velhas reuniões dançantes, onde os guris levavam os refrigerantes e as meninas doces e salgados. Foram grandes tempos que se acabaram no momento em que um menino de classe média não pode acompanhar o ritmo de roupas de grifes e vídeo games modernos.
Volto ao shopping e sinto uma vontade de comer um Big-Mac. Antes compro o CD do Pavarotti para a minha mãe e vou ao McDonalds fazer o meu lanche. Na fila vejo uma mãe comprando lanche para seu filho, um menininho por volta de seus oito anos com franja na cara e um uniformezinho do IPA com um furo no joelho esquerdo da calça, tênis sujo e uma bola debaixo do braço. Não sei porque, mas ele me viu e sorriu para mim. Um sorriso nostálgico de tempos do morro Rio Branco que só um odor vulgar pode fazer voltar no túnel do tempo.