OS 100 DIAS DE OLÍVIO
Carlos Gerbase
A Zero Hora publicou uma pesquisa no dia 11 de abril sobre o governo Olívio Dutra. Segundo o jornal, é uma primeira avaliação dos eleitores quanto às posturas do PT nessa arrancada administrativa. E, como sempre, mais importante que a pesquisa é a maneira como a pesquisa vira manchete, olho e legenda nas fotos (porque ninguém tem paciência para ler todos os dados). Não vou perder meu tempo dando exemplos de como a ZH manipulou a pesquisa, porque os leitores do NÃO já sabem como a coisa funciona. Mas uma coisa é preciso destacar: nunca uma campanha de desestabilização de um governo começou tão cedo e tão ferozmente. Trata-se de uma lição maravilhosa de "jornalismo empresarial" (pelo menos era esse o nome da cadeira quando eu estava na faculdade): a OTAN bombardeia a Iugoslávia todas as noites, duas CPIs estão sendo criadas no Congresso para investigar os bancos e o poder judiciário, e a ZH dá capas e mais capas sobre a "briga" do PT com a Ford e a GM. "Jornalismo empresarial" é isso aí. As empresas em primeiro lugar. Vocês acham que eu estou exagerando? Liguem a rádio Gaúcha às 7 da manhã, no programa do Mendelski, e vocês verão o que é exagero.
Eleitoralmente falando, acho que essa campanha é uma tremenda bola fora para as viúvas de Britto. É muito cedo. É muito precipitada. É muito desorganizada. E tem lances ridículos, como a tal manifestação na frente do Palácio, que só serviu para Olívio reafirmar-se como "galo missioneiro", subir no carro de som e enfrentar os "oposicionistas" de peito aberto. No outro dia, a ZH disse que foi uma temeridade. Só não disse que Olívio fez o que nenhum governador na história deste Estado fez dispensar a polícia, dispensar os seguranças e agir como cidadão comum, que está ali eleito por muitos cidadãos comuns e sabe dialogar com os outros cidadãos comuns que não o elegeram (se estes quiserem dialogar, é claro). Olívio criou mais um símbolo. Símbolos são a mais importante arma da política. Acho que Olívio leu e entendeu Maquiavel, enquanto seus inimigos liam O Pequeno Príncipe.
Na verdade Busatto, Proença e cia. não sabem fazer oposição. E duvido que aprendam. Mesmo com todo o poder de fogo que eles têm na mídia, não conseguirão (pelo menos com base nessa amostra inicial) apresentar um conjunto de ações políticas que desestabilizem Olívio Dutra e o PT. Eles não compreenderam o essencial: enquanto a ZH dá capas e mais capas para a GM e a Ford, Olívio toma chimarrão com agricultor sem-terra, anda de ônibus com operário sem-carro e conversa sobre o preço do pão com desempregado sem-esperança. Símbolos. O sem-terra, o sem-carro e o sem-esperança sabem que Olívio não vai resolver seus problemas magicamente, mas também sabem que o PT NÃO fará o que os outros governos sempre fizeram: falar em justiça social e enrabar a sociedade, dando dinheiro público para os eternos amigos do poder.
(Em tempo: vocês viram os comerciais do PPB, cobrando as promessas de campanha de Olívio? São ainda mais equivocados que as ações do PMDB, porque tratam o eleitor como débil mental. O eleitor gaúcho não é, majoritariamente, débil mental. E mesmo a minoria débil mental não gosta de ser tratada como tal.)
Foi muito engraçado assistir a Olívio Dutra no programa Conversas Cruzadas, entrevistado por Lasier Martins. O Lasier queria respostas objetivas para questões objetivas, enquanto Olívio dava respostas ideológicas. É claro que o Olívio não queria responder. É claro que ele não queria dizer nada que o comprometesse. E fez muito bem. Não dizer nada num programa desse tipo é a melhor maneira de preservar-se politicamente. Contra uma oposição que morde o osso com ferocidade inédita, ataca desordenadamente, mas sem eficácia política, nada melhor que jogar na defesa e preparar o contra-ataque. Que virá, mais cedo ou mais tarde, utilizando os símbolos históricos de Olívio e do PT, os símbolos recém-criados (que reforçam os antigos e os solidificam) e algumas ações concretas na área econômica (principalmente na agricultura), na saúde e na assistência social. Tudo isso com molho de orçamento participativo. E é gol do Bangu, como diz meu amigo Piti.
É claro que o governo Olívio tem erros e equívocos. É claro que algumas áreas sofrem com disputas internas bobas. É claro que muita idiotice foi feita, está sendo feita e será feita nos próximos anos. É claro que a direita, mesmo burra e cega de ódio, eventualmente acertará algum golpe mais poderoso. Mas os acertos desse governo também são evidentes. E eles começam quase todos com a palavra NÃO. Querem ver?
1) NÃO apequenar-se frente ao governo federal, discutindo na Justiça a renegociação da dívida feita por Britto. Não importa que, na prática, o resultado seja discutível. Criou-se mais um símbolo: os gaúchos não se submetem mais ao imperador FHC.
2) NÃO aceitar pacificamente os contratos feitos com a Ford e a GM. Se não houver acordo político, a questão também passará a ser jurídica.
3) NÃO intimidar-se com a oposição. O que Olívio fez na Praça das Matriz, enfrentando os manifestantes, foi uma atitude genial. Perigosa, mas genial. E não precisa repeti-la. O símbolo já está criado.
4) NÃO levar a sério alguns políticos do PDT, que estão absolutamente desesperados com sua decadência política. O PDT faz parte do governo, é um aliado político importante, mas não dá para imaginar o PT casando com Collares e Isaac Ainhorn. Eles precisam ficar longe da cozinha. Podem ficar na sala, ouvindo o último disco do Roberto Carlos.
5) e, principalmente, NÃO governar para a minoria da população. Este é o maior de todos os NÃOs. Olívio e o PT assumiram o governo para fazer exatamente o contrário do que os outros faziam. Eles têm que fazer um governo para os pobres e para a classe-média baixa. Eles têm a chance de botar dinheiro onde ele vira emprego e produção. Olívio NÃO governa para mim, que tenho a sorte de viver num apartamento do Bonfim e fazer três refeições por dia. Eu que me foda. Olívio governa para quem nunca teve governo. Para quem não sabe o que é um governo. Para quem está aprendendo a ser cidadão nas reuniões do orçamento participativo. Para quem conhece as palavras pobreza, desemprego e desespero.
Talvez esse meu texto tenha um gosto antiquado, mas esta sensação de estar "fora da moda" também é uma virtude do governo Olívio: NÃO seguir a cartilha de uma pretensa modernidade globalizada e inevitável. Cada vez que ouço os argumentos a favor da Ford e da GM ("empresas poderosas, com tecnologia de ponta, que vão dar empregos e mudar o perfil do Rio Grande daqui a não sei quantos anos") lembro dos "n" ministros da Fazenda do Brasil que prometeram a felicidade do "cidadão comum" logo depois que o "cidadão especial", o "empresário", finalmente tiver oportunidade de "vencer" em seu negócio. Estamos falando do velho bolo do Delfim, que deveria crescer antes de ser repartido.
Nos próximos quatro anos, Olívio e o PT têm o compromisso de repartir o bolo, do tamanho que ele for, ou do tamanho que for possível fatiá-lo, depois de tudo que foi feito nos últimos anos. Esse bolo tem que evitar a fome, tem que combater o desemprego, tem que diminuir a doença, tem que promover um desenvolvimento humano, distribuindo recursos em todas as regiões, em vez de concentrá-los na região metropolitana. Olívio, é claro, vai levar um bom tempo até conseguir fazer isso. Lembro que o início na Prefeitura também foi duro, mas ele conseguiu. E aí, se os pobres e os remediados perceberem que o governador está mesmo preocupado, se eles sentirem a diferença deste para os governos passados, o Busatto e o Proença podem fazer carnaval todos os dias na frente do Palácio, que não vão conseguir porra nenhuma. Olívio NÃO precisa responder bem para o Lasier, NÃO precisa puxar o saco da GM e da Ford, NÃO precisa mudar seu estilo pessoal. Se Olívio for Olívio até o fim e continuar criando símbolos como os gerados nesses primeiros 100 dias, elege seu sucessor com mais de 65% dos votos.