Um tempo de fúria

 

Dante Sasso

 

Pois uma dupla de garotos americanos (de novo) invadiu uma escola e matou, com rifles, pistolas e bombas, cerca de quinze pessoas, com requintes de crueldade, do tipo escolher os que seriam mortos: negros, judeus, atletas (?) e minorias em geral. Além disso, tiros na cabeça, risadas e conversas entre um morto e outro. Em seguida, suicidaram-se.

- Será que isso é o efeito de drogas? - perguntou-me o senhor que senta na mesa ao lado da minha no escritório, senhor esse que, do alto de seus sessenta e poucos anos, muitos deles prestados ao serviço da pátria (capitão do glorioso e inútil exército brasileiro, administrador de empresas sempre públicas, secretário de governos, etc., inclusive com experiência como embaixador em algum país do Oriente Médio), espantou-me com seu repentino lapso de ignorância.

- Não... - respondi, sem muita convicção naquele dia, confesso, pois até então tudo que esse senhor me dizia, até por respeito aos seus méritos como o profissional que é e sua experiência intelectual, foi sempre por mim acatado como de extrema sabedoria.

No dia seguinte retomamos o assunto, e dessa vez fui enfático:

- Não, definitivamente não foi feito por causa das drogas. Eles poderiam, sim, como qualquer ser humano, ou como qualquer adolescente, estar sob o efeito de drogas. Mas esse não foi o real motivo da violência.

Confesso que ignoro o motivo do ato dos felizes assassinos suicidas defuntos. Aliás, eu e o resto do mundo. Mas vamos a algumas considerações a respeito.

Os garotos tinham adoração por armas. De onde saíram essas armas? Será que agora seus pais vão pensar: "Puxa, é mesmo, eles andarem com todas aquelas armas era mesmo um perigo"? Tiveram sorte de não serem atletas, os pais. Além disso, tendo o presidente que têm, ávido por mostrar ao mundo seu poder bélico e, por que não dizer, fálico, não é difícil constatar que vibravam a cada transmissão em cadeia nacional promovida pelo presidente. Também não podemos achar que todo americano, só por causa de seu presidente fodão, é um assassino em potencial. Esses jovens, oriundos de famílias de classe média alta, eram de uma geração que cresceu bombardeada pela imposição física de seu país em conflitos alheios: Irã/Iraque e Kosovo, para ficar só nos mais explorados pela mídia. Uma geração que viu seu presidente sair-se como herói depois de um envolvimento que no mínimo ameaçou a ética do político mais importante do país. Não estou sendo moralista a ponto de achar que ele mereceria ser destituído do cargo por ter comido (ou por não ter comido, vai ver ela fez o escândalo por despeito) aquela mocréia. Estou cagando para o presidente dos EUA. Mas envolver-se de forma tão ingênua em um escândalo dessas proporções demonstra no mínimo que ele não tem a maturidade e a responsabilidade exigidas para o cargo. E o povo americano, imbecil por formação ou convicção, não se ligou. Enfim.

Os garotos tinham um site racista na internet. Centenas ou milhares de sites desse tipo estão confortavelmente espalhados pelo espaço virtual, e o leitor que esteja lendo isso agora pode ter acabado de acessar um, quem se importa? E é justamente esse o problema: quem se importa? Sou totalmente contra qualquer tipo de censura, mas sou também totalmente contra qualquer tipo de informação que venha a demonstrar injustiça contra um grupo social, minoritário ou não. Penso que deva haver um controle mais formal, mais rígido, do tipo de informação que é veiculado, e isso não serve só para os sites da internet, mas também para os jornais e outras fontes de informação. Essa deve ser uma polêmica constante nos círculos jornalísticos, mas de que modo controlar o que será informado, o que será exposto à apreciação de um público sempre incerto? Claro, alguém me cochichou agora aqui ao lado, talvez o senhor capitão, a educação vem de casa. Mas o que esperar de pais que provavelmente consentiam que os filhos tivessem acesso a armas de fogo? Que controlassem o que eles acessavam no computador? Piada. Talvez seja a hora dos jornalistas tomarem de vez o espaço virtual, pois a ética é elemento indispensável para a informação. Mas existe, sim, um controle, diz o técnico em computação ali na frente, mas é muito fraco. A internet nasceu da idéia (acadêmica, é bem verdade) de se ter um meio para a articulação de idéias, mas a coisa tomou um rumo e um tamanho até então insuspeitados. Deu no que deu. Quem sabe agora?

Adolf Hitler faria cento e dez anos no dia da chacina. Os garotos provavelmente estariam homenageando ele. Diz-se que falavam alemão entre si. É incrível que ainda haja gente adorando esse cara. Aliás, é incrível que ainda haja gente achando que sua "raça", seja qual for, seja superior. Só uma pessoa mesmo muito ignorante (ou teimosa) pode ter alguma consideração por esse sujeito, e possa achar que o seu tipo físico seja determinante para o aperfeiçoamento da espécie. Skinheads na Alemanha e na França. Grupos nazistas e fascistas povoam a Europa e outros continentes. O que querem? A supremacia da raça? Dia desses vi em uma reportagem sobre Berlim alguns skinheads. Pediam a extradição dos imigrantes, pois eles tiravam as oportunidades de trabalho dos habitantes locais. Com nenhuma disposição para o trabalho honesto e competente e um comportamento violento e discriminatório, creio que seria melhor para eles que os imigrantes permanecessem mesmo no país. Pelo menos alguém iria produzir algo, e não passar o dia chutando imigrantes por serem apenas imigrantes e estarem ali para trabalhar, coisa que por algum motivo não podem fazer decentemente em seus países de origem. E que os skinheads, por algum motivo, não fazem, talvez por passarem o dia inteiro incomodando os imigrantes.

Seja punk mas não seja burro, diria o Gerbase. Alguns anos atrás, em uma série de reportagens sobre o assunto veiculada na TV, deparei-me com um protesto skinhead no Brasil, e um ou vários dos pretensos "superiores" era negro. É. Negros engrossando as fileiras do movimento skinhead. No Brasil. Adolf Hitler, dessa vez, chora no inferno (o que estariam pensando os outros integrantes do protesto? Eu disse "pensando"?). Sinceramente, a prova mais perfeita de que não existe supremacia racial é a atitude desses garotos. Se eles, os auto-proclamados "superiores", usaram de tamanha violência e ignorância para provar sua soberania, é porque não tinham capacidade mental, intelectual ou física para fazer de outro jeito. Se não estivessem armados, provavelmente levariam um pau dos negões. A escolha em matar os atletas pode refletir isso: por qual outro motivo eles os matariam a não ser por inveja? Em um ensaio perfeito, cujo título acabo de esquecer, Isaac Asimov demonstra que os métodos dos testes de capacidade de QI só provam a afinidade de quem é testado com aquele que formulou o teste. Se as perguntas dos testes forem respondidas "de acordo com as respostas que o elaborador do teste julga serem corretas", então ele terá um ótimo QI. Muito bem, mas não nos serve. Da mesma forma acontece com a pesquisa realizada alguns anos atrás que constatou que a amostra de pessoas de pele branca era superior intelectualmente a de pessoas de pele negra. Se o resultado fosse outro, com certeza a pesquisa seria contestada. Talvez os brancos já tenham explorado totalmente sua cultura e estejam dispostos a interferir na rica cultura negra. Como não conseguem, tentam destrui-la.

Agora é sério. Um tenente-bombeiro teve seu carro envolvido em um banal acidente de trânsito, aqui mesmo em POA. Os ocupantes do outro carro eram um casal de idosos. O que fez? Pegou sua trava de segurança e mandou ver no carro, mais ou menos como Michael Douglas (americano padrão) em "Um dia de fúria". Legal, né? Pode ser que, à primeira vista, os dois acontecimentos (os garotos nazistas e o tenente machão) não tenham muito a ver. Mas têm. A violência, e eu vou ter que entrar no lugar-comum, está ficando insuportável. Hoje em dia, mata-se para não roubar. Se você não reagir, te roubam; se reagir, te matam sem roubar; se você for para a escola lépido e faceiro, te chacinam. Estão todos no mesmo saco: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, e depois dança sobre os ossinhos. E não adianta chamar a polícia: vide o tenente e sua fúria. Os meninos racistas da escola americana devem estar sentados, agora, ao lado de Hitler, apostando quantas das bombas deixadas na escola serão detonadas acidentalmente pela polícia, como eles queriam. E devem estar barbarizando no inferno. Pelo menos é o que acredita o senhor capitão aqui do meu lado, que os bons vão para o céu e os maus para o inferno. Ele acha que foram todos para lá, para o inferno.

Se for verdade, coitado do diabo. Ele não deve ter feito tanto pra merecer isso.