No dia 9 de maio Zero Hora publicou (contra capa do caderno de economia) uma entrevista com o professor José Ricardo Tauile. A reportagem de Lúcia Ritzel o apresentou como economista e engenheiro, professor do Instituto de Economia da UFRJ, pesquisador há 15 anos dos movimentos das montadoras no Brasil, doutor pela New School de Nova York e pesquisador do CNPQ. O título:
"Várias empresas redefiniram seus projetos no Brasil e na Argentina. As coreanas não foram para a Bahia, a Peugeot vai comprar motores da Renault, a Ford desistiu do projeto gaúcho e, há 15 dias, dos planos em Córdoba. Isso mostra que, pelo menos para a Ford, o episódio do Rio Grande do Sul não é isolado".
"A renegociação com o Rio Grande do Sul foi um bom pretexto para a montadora, garantiu uma saída honrosa".
"Quero ver qual estado irá oferecer as mesmas condições. Pode aparecer um governador maluco, que dê tudo. Pode haver outras conexões em jogo, que não sejam estritamente econômicas".
Tauile É um delírio. No máximo, um emprego direto pode gerar outros 50 indiretos. É um exagero. Mesmo que seja verdade, quem garante que todos estes empregos seriam gerados no estado? O projeto da Ford é obscuro em relação a isto.
Não fui o único a estranhar. Zero Hora publicou na página 2 no dia 17, sob o título "Montadora", uma carta alertando para o estranho raciocínio de Tauile:
Foi difícil achar o e-mail do prof. Tauile. Revirei
o Altavista e o Cadê, sem sucesso. O jeito foi mandar um recado para
os seus colegas do instituto de economia da UFRJ. Um deles me respondeu
no dia seguinte. Escrevi ao professor. Ele me respondeu hoje (21/5). E
autorizou a publicação aqui no Não. Aí vai:
Pensar que o projeto de instalação de uma fábrica da Ford em Guaíba, que prevê a geração de 1500 empregos diretos possa gerar 100.000 empregos indiretos, como disse na entrevista, é um delírio. Mesmo se esta estimativa fosse de 60.000 empregos ainda considero um exagero. A partir daí ainda caberia perguntar - aliás o que considero mais importante para o RS - quantos e quais empregos na cadeia produtiva desta fábrica seriam gerados no Estado, fora do Estado mas ainda no Brasil e, finalmente, fora do País.
A resposta precisa a estas indagações só pode ser dada conhecendo-se a estratégia de produção da montadora. Qual será o grau de subcontratação utilizado? Utilizará ela uma estratégia de global sourcing, trazendo componentes de qualquer parte do mundo, onde suas condições de fabricação forem mais convenientes? Ou será que utilizará o just-in-time, que implica a necessidade de ter os fornecedores de primeira linha instalados junto à montadora? Ou qual combinação das duas estratégias utilizará?
O estudo de Najberg e Vieira, publicado na revista PPE do IPEA de abril de 1997, utilizando a matriz insumo/produto brasileira confirmou que, em relação ao estímulo para o conjunto das indústrias, o setor automóveis/caminhões/ônibus foi classificado com alto poder de expansão da produção agregada. Não obstante, em relação à geração de empregos, constatou que tal setor gera uma baixa demanda por empregos (ficou em 36° entre 41 setores analisados).
Tentemos precisar mais concretamente esta avaliação para o caso em tela. Segundo dados da ANFAVEA e do SINDIPEÇAS ao longo da década de 80 a proporção entre os empregos gerados pelo conjunto de montadoras e o setor de autopeças no Brasil girava em torno de 1:3. Na década de 90 esta proporção caiu bastante chegando, em fins de 1998, a 1:1,7. Para fins de nosso cálculo utilizaremos, com folga, 1:2. Digamos que para cada emprego gerado no setor de autopeças ainda fossem gerados outros três na produção de insumos (o que certamente é um exagero, além de ser um efeito muito diluído pois a respectiva produção - como de aço, por exemplo - não seria destinada exclusivamente para aquela fábrica e nem mesmo para a indústria automobilística) e mais três empregos fora da cadeia produtiva (vale a observação anterior porém com efeitos ainda mais diluídos). Isto nos daria um total de 14 empregos indiretos para cada emprego gerado diretamente pela montadora. Ou seja, estaríamos bastante "generosamente" falando, no caso da Ford/Guaíba, de um número total (dentro e fora do Estado) entre 21.000 e 25.200 empregos gerados indiretamente (é claro que não se deve considerar certos encadeamentos "para frente", tais como de revendedoras e oficinas, pois estes existiriam mesmo que a fabrica não fosse no RS).
Para concluir, note-se que neste caso estamos, em princípio,
estritamente de atividades de uma unidade produtiva. Porém uma avaliação
qualitativa deve também incluir as atividades de projeto, pesquisa
e desenvolvimento, que são as mais valorizadas na estrutura do emprego.
Qualquer que seja a estratégia de produção adotada,
custo a crer que estas atividades de projeto (e demais correlatas) estejam
previstas para se concentrar no interior da (ou no entorno à) fábrica
de Guaíba, quiçá mesmo no Brasil.
José Ricardo Tauile
Não tenho a expectativa de que esta carta ou qualquer
outra análise séria termine com o festival de chutes na batalha
verbal Ford/Não-Ford. Aposto que ainda ouviremos muitas vezes o
Buzato, o Berfran e o Onyx repetirem que o estado perdeu "100 mil empregos
ou mais" com a saída da Ford. Está mais que provado que a
mídia aperfeiçoou a frase de Lincoln: é perfeitamente
possível enganar o número suficiente de pessoas pelo tempo
que for necessário.
Jorge Furtado
jfurtado@portoweb.com.br