Qual é mesmo o mal do nepotismo?
por Jorge Furtado
 
 
Verbete: nepotismo
[De nepote + -ismo.]
S. m.
1. Autoridade que os sobrinhos e outros parentes do papa exerciam na administração eclesiástica.
2. Favoritismo, patronato: "A tal ponto foi aquela identificação do irlandês com o patriarcalismo, o familismo, o próprio nepotismo brasileiro .... que a adoção, por Daunt, do culto do Padre Diogo, .... surge-nos com alguma coisa de culto doméstico, ao mesmo tempo que aristocrático à moda paulista." (Gilberto Freire, Problemas Brasileiros de Antropologia, p. 54.)
 
 
Volta e meia aparece na imprensa uma matéria denunciando o nepotismo de algum político, o cara contratou não sei quantos sobrinhos, cunhadas e o escambau. Volta e meia surge também algum deputado com uma proposta de lei proibindo a contratação de parentes, com o total apoio do Alexandre Garcia, da Veja, do Padre Marcelo, da Folha e do PT. Falar mal da contratação de parentes no serviço público, como elogiar o Chico Buarque e a bunda da Tiazinha, é uma rara unanimidade nacional. Pelo que me conste, sou a única pessoa que não entende a indignação moral que a todos une contra a contratação de parentes.

Pra começar, parto do pressuposto de que alguns cargos de confiança, mesmo no serviço público, devem ser preenchidos sem a necessidade de concurso público. São cargos temporários, subordinados ao mandato do chefe. O contratado vai embora quando o contratante perde o cargo. (A indignação da maioria dos telespectadores parte da falsa idéia de que os contratados, como os funcionários de carreira, ganharam uma boquinha vitalícia). Não acredito que ninguém defenda seriamente a idéia de que um prefeito recém eleito, por exemplo, possa manter como seu chefe de gabinete ou secretário particular alguém que já estava no cargo com seu antecessor. Também não tem lógica nenhuma exigir que um cargo destes seja preenchido através de concurso público. E se um inimigo político, um sujeito que odeia o tal prefeito recém eleito, tirar primeiro lugar no concurso? Nem parece ser este o argumento dos anti-nepotistas. Todo mundo aceita que o tal prefeito convide quem ele bem entender para o cargo desde que não seja seu parente.

É evidente que a campanha anti-nepotismo tenta combater o empreguismo desenfreado que assola prefeituras, câmaras, assembléias e tribunais brasileiros. O cara acabou de ganhar um cargo público e já arruma emprego para toda a família. É evidente também que há casos onde o excesso é prova da má fé. Um prefeito acaba de ser denunciado pela Veja por ter preenchido TODOS os cargos públicos (mais de 20) com parentes. Seria um absurdo igual se todos os escolhidos fossem ruivos ou se chamassem Fernando. É pouco provável que o critério de confiança e competência terminasse por escolher exclusivamente parentes, ruivos ou Fernandos para os cargos. Mas daí a querer proibir a contratação de qualquer parente para qualquer cargo, vai uma longa distância.

Para o erário público não faz a menor diferença se o contratado é o amante, vizinho ou colega de creche (não-parentes) ou concunhado, primo-segundo ou tio (parentes). O que faz diferença é se o cara realmente é util, trabalha e cumpre horário ou só aparece no fim do mês para buscar o salário, seja parente ou não. As leis proibindo contratação de parentes não inibem em nada o empreguismo. Basta que um vereador contrate o primo do outro e o outro a sobrinha do um e fica tudo resolvido. E se o cara contrata uma secretária maravilhosa, estenógrafa e poliglota, se apaixona por ela e casa? Ao tornar-se parente ela precisa ser despedida? E se o sujeito contrata alguém e descobre depois que ele é seu sobrinho por parte da ex-mulher? Me desculpem os moralistas de plantão, mas esta lei não pára em pé.

Me parece que uma lei deve ter base moral e não simplesmente tentar coibir excessos. (Tenho a impressão que, se todos os políticos eleitos pelo PFL nas regiões norte e nordeste e todos os presidentes e ex-presidentes de clubes de futebol do Rio fossem imediatamente presos, as injustiças cometidas seriam estatisticamente desprezíveis. Mas isto é só uma impressão, sem nenhuma base científica que a sustente). Não contratar parentes para cargos de confiança no serviço público me parece mais um bom conselho do que uma boa lei, do tipo não namore a secretária ou não vá a sala do chefe usando esta saia tão curta. Pode, mas é melhor não. Infelizmente a legislação não substitui o bom senso.

Em vista do exposto, peço que o senhor receba com atenção este rapaz que estou lhe encaminhando. Ele é filho de minha irmã e está precisando muito trabalhar. Se for possível que o senhor o libere na parte da tarde (ele está fazendo o segundo grau) e nas terças e quintas pela manhã (ele é vice-campeão gaúcho de skate e precisa praticar) fico-lhe imensamente grato. E, por favor, agradeça a dona Neusa pelas cocadas.
 
 
Cordialmente,
Jorge Furtado
jfurtado@portoweb.com.br
 


Conheça The Hollywood Nepotism Page, um inventário de casos de parentes que não chegaram ao estrelato pela porta principal. Tem até mesmo um prêmio anual de nepotismo no cinema, que em 1997 foi para a família de Walter Matthau. Tudo isso em http://www.geocities.com/Hollywood/Theater/2404/nepotism.htm. Depois, volte para o...