Assim rasteja a humanidade
por Allan Sieber
 
 
Levei um susto quando ví uma resenha sobre quadrinhos no Não 62. Quadrinhos? Não, não pode ser, pensei eu. Uma revista "séria" (no bom sentido) falando de quadrinhos sem usar os tradicionais e burros chavões de sempre me pegou desprevinido. Mais ainda: o fato do autor da resenha não ser um desenhista ou um colecionador ou um punheteiro qualquer que sempre são chamados para fazer esse trabalho sujo foi o que realmente me chamou a atenção.

Como sabemos (pelo menos, EU SEI), os quadrinhos são a forma de "arte" (puta que pariu! depois de um milhão de instalações chatas, "objetos" sem sentido e telas pintadas com a bunda, essa palavra não vale um saco de peidos) mais subestimada do mundo, como se não existisse um ponto intermediário entre o lixo do Maurício de Souza e a chatice do Crepax ou a ingenuidade do Tintim e a boçalidade dos super-heróis fortões.

Os quadrinhos parecem ter sido condenados a ser um tema só para "citações" e nunca se permite que a discussão (outra palavra monga!) se aprofunde. Sendo assim, volta e meia tem que se aturar algum publicitário falando de HQ com "aquela" autoridade de quem ja leu "toda" a coleção da L&PM... Caralho! Se esse pessoal realmente consumisse bons gibis não fariam tantos comerciais vagabundos! Bom, mas como eu não estou aqui para chutar cachorro morto, vamos em frente. Seria bacana se metade das figuras que enchem a boca ao citar Hitchcock, Fernando Pessoa, Susan Sontag ou Caetano Veloso (esse é campeão!) fizessem o mesmo com nomes como Robert Crumb, Daniel Clowes, Max ou Angeli.

Mas não se enganem: não estou falando tudo isso movido por sentimentos nobres ou batalhando para que os quadrinistas sejam reconhecidos como "artistas" (de novo não!!), não, não é nada disso. O que me move aqui é uma coisa bem mais básica: a minha própria sobrevivência. Tipo duas refeições por dia, dinheiro pra cigarro e táxi e viajar uma vez por ano. Sentar o rabo na frente da mesa de desenho e não me preocupar com a conta da luz, afinal tem gente COMPRANDO meus gibís que foram lançados por ALGUMA EDITORA. Enfim, que o meu trabalho seja reconhecido como uma coisa PRA GENTE GRANDE. Por enquanto tá foda.

Alguem aí já viu um fulano chegar para um músico e desatar a falar sobre uma "história" que daria uma excelente canção? Ou encontrar um cineasta e dizer que essa história daria um belo filme? NÃO!! Isso não existe, porque qualquer sujeito com dois neurônios vai pensar duas vezes antes de falar esse tipo de merda para um músico ou um cineasta, afinal o cara vive disso, é a profissão dele, não é nenhuma brincadeira.

Já nos quadrinistas o pessoal cola direto, tipo "ah, isso daria uma boa história em quadrinhos, meu cachorro fugiu e tal, desenha aí, faz qualquer merda..." É foda, mas é assim mesmo, parece que o cara é um milionário que desenha por hobby. Pra conseguir uma verba pública que viabilize algum projeto envolvendo quadrinhos a lenda é outra: o trabalho tem que ser "lindo", sem opinião e preferencialmente (isso é o pior de tudo) de "cunho social". Posso estar enganado, mas acho que para áreas como a música, o teatro ou o cinema, os critérios são outros...

Pode não ser nada mas ja é alguma coisa: as pessoas começarem a ser dar conta que quadrinhos não é coisa só de adolescente espinhento.
 
 
Allan Sieber
allansieber@iname.com

PS: Aí Jorge, seria bacana ver no próximo Não uma resenha sobre o outro gibi que a Conrad lançou, uma coletânea dos "independentes" (outra palavrinha...) americanos. Apresenta pela primeira vez (putz, a maioria deles ta na ativa há mais de dez anos) em português os fodões Clowes, Peter Bagge, Lloyd Dangle e outros mais. O meu tá emprestado e eu não me lembro o nome, mas a capa é laranja com um desenho do Jaime Hernandez tirando uma onda do manjado American Gothic. Bem, a dica tá dada, agora manda bronca!
 


Crumb é moleza: tem um monte de informações e ilustrações em http://w1.870.telia.com/~u87004729/. Saiba mais sobre Daniel Clowes em http://www.anotheruniverse.com/store/creators/DanielClowes.asp. Depois volte para o...