A Síndrome do Oscar Pós-Chernobyl
por Ariela Boaventura
 
 
Falta cinema nestes homens pós-modernos, para usar aí uma palavrinha que define tudo o que é atual e não cabe em nenhuma definição. Sinto isso, porque não adianta o intelecto forte e o corpex sob medida, com pêlo e pele e cheiro e calor inenarráveis mas o coração gangrenado ou de ameixa-seca. É isso o que vejo, mesmo sendo quem sabe injusta  - e certamente sempre se é injusto.

Falta cinema, porque a sensibilidade não pode ser confundida com broxura existencial ou sandices mal-resolvidas, rinite, TPM masculina ou o que valha. Não, não é recalque,  até porque nem poderia fazer essa desfeita, pois a entressafra deste ano tem sido prolífica. Homem não falta, o que falta é cinema nestes coraçõezinhos etíopes.

Ou então, pode ser que eu tenha sentido na alma a diferença entre realidade e ficção, entre Truffaut  e Walter Salles, se é que posso ser mais ou menos clara. Ah, as palavras, estas armas tão oblíquas. Palavras que formam toda a obra de Oscar Wilde não são as mesmas que figuram nos anais do IBGE, mas poderiam ser as mesmas de um roteiro de Resnais. A penumbra dos ambientes, os closes e os silêncios: momentos nus, sinceros. A boca sem batom, o blusão puído em uma fria tarde de inverno, um pedaço de corpo estendido sobre lençóis emaranhados sob a luz natural do dia. E o que vejo em volta? O glitter em olhos fingidos. Bocas brilhosas e de saliva artificial. Cheiro de látex, Kenzo, mofo de idéias e prazeres sublimados.

O que chamo de falta de cinema é falta de fantasia, de fé no sentimento, um tal de niilismo virulento entre humores mal-ejambrados e uma série de gargumilhos eferfescentes que não dão nem para dizer que trata-se de criaturas humanas. É como se uma doença, sim. E neste ponto atinge inclusive a mulherada ensandecida, e todos ficam fingindo o papel moderno da vanguarda hipócrita de um personagem cibernético e andrógino, que não precisa de ninguém, que vive para seu umbigo e a auto-suficiência é seu deus.

Sinto a sobra de letargia existencial das criaturas. Pode ser imaginação de sobra ou compreensão de menos. É, pode até ser que eu seja um tanto sensível demais então, para essa época. Mas eu tenho fé no homem, na alma humana. Tenho esperança de que as pessoas não confundam ficção com realidade a tal ponto de abandonar inclusive a cultura a lucidez de si-mesmo. Colocar um espelho diante de si, ter a coragem de mirar-se sem a maquiagem do egão véio, assumir sua meiguice ou crueldade, mas ser verdadeiro acima de tudo, mesmo que isso implique dor ou suor ou sangue no lençol.

Não quero eu também parecer estar confundindo ficção com realidade: quando digo que falta cinema, quero deixar clara a inversão total dos papéis: a confusão do personagem e sua produção com a pessoa humana. É mais fácil parecer do que ser. É mais cômodo fingir do que sentir. É menos arriscado transar sem compromisso e depois simplesmente negar tudo, dar um beijo à bochecha do outro e dizer: e aí, como vai?

E então eu imagino onde estão aquelas pessoas que poderiam entregar-se a cenas em que se lambe o mel a escorrer no corpo do outro, ou aquela cena em que ambos passam espuma de barba nas bochechas sorridentes num domingo à tarde, tarde demais para voltar atrás e se arrepender, porque o momento não volta atrás nevermore, ou ainda uma outra cena, em que simplesmente se chora abraçado àquele corpo querido pela saudade de um futuro fatal que já acena ali adiante.

É disso que reclamo: da aridez de imaginação, da covardia de existir e da hipocrisia em forma de sorriso desinteressado e blasé à volta. Isso é Hollywood, não é cinema de verdade.
 
 
Ariela Boaventura
mozarela@hotmail.com
 


A Ariela, como sempre, está certa. Existe inclusive um livro de Joni Hilton chamado "Coping with male PMS" (Enfrentando a TPM masculina). Pra saber mais sobre este mal do século, vá em http://www.malemenopause.com/index3.html e depois, se não faltar cinema, volte para o...