Sobre os dias que virão
por Paulo Cézar da Rosa
 
 
Peguei um gripe daquelas e o meu cérebro entupido de vírus funciona com dificuldade.

Li o balanço do Gerbase dos 100 dias do Olívio no NÃO 62 e achei genial. Foi a primeira impressão. Depois fui repensando. Será? A gente pode dar de barato que os Busatto Boys são geneticamente incompetentes como oposição? Ou eles atuam como um exército que tenta se reorganizar depois de uma dura batalha perdida?

Não querendo polemizar, todo o raciocínio do Gerbase está correto, menos numa coisa. O governo Olívio não é um governo normal. A derrota que a direita sofreu não foi uma derrota normal. Nós não estamos vivendo uma situação normal. Eles sabem que, se houver uma repetição do que ocorreu em Porto Alegre, nosso destino, depois de fincar raízes no Piratini, é um outro Palácio. Sabem que assim como Britto, o governo FHC é um castelo de cartas. Sabem que o que venceu nas eleições é um outro projeto de Rio Grande, de Brasil, de mundo. Sabem - aparentemente melhor do que nós - que há uma guerra em curso.

Tenho repetido para os meus amigos que precisamos estudar mais a Revolução Farroupilha. Acho que estamos numa situação parecida. Durante a Revolução Farroupilha nós tivemos no Estado uma situação de duplo poder instalada. Aquela divisão marcou a política e a cultura gaúchas. Duas legalidades, duas compreensões de mundo, dois modelos de economia, de compreensão das relações com o restante do Brasil...

Por isso o governo Olívio não é um governo normal. Ainda que ele talvez não se entenda assim, a direita entende: o governo Olívio é um governo revolucionário. E precisa se entender enquanto tal.

A guerra ideológica é uma guerra cruel - e difícil para a esquerda, porque, ainda que esteja no governo, as idéias dominantes na sociedade não são as suas, continuam sendo as da direita. E nem tudo tem sido trapalhada e histeria do lado de lá. Exemplo: outro dia estava com minha filha Ana, de 4 anos, brincando com um jogo em que um lado é azul e o outro vermelho. TV ligada, Jornal Nacional, notícias do governo, aquela confusão... A Ana interrompeu o jogo e me disse:

- Papai, tem alguma coisa errada neste governo.

Eu: - Qual governo?

Ela: - Esse governo do Olívio.

Eu: - Como assim?

Ela: - Ah, é que a gente é Grêmio e o Olívio é vermelho. Então tem alguma coisa errada....

Ela não entendeu muito bem a minha explicação sobre o futebol não ter nada a ver com a política. Só ficou um pouco confusa quando disse que também era colorado. De qualquer forma, fiquei com impressão de ter sido bombardeado pelo flanco. E com vontade de entrar na creche no dia seguinte com uma bandeira do PT em punho.

Eu sei! Pode ser a gripe que me deixou pessimista. Mas pode ser também que eles consigam instalar, de fato, um "duplo poder" - um cenário muito diferente do normal onde existe uma "situação X oposição" única, que disputa no mesmo terreno, conforme regras comuns. E é até provável que isso aconteça, porque também o governo Olívio não pode ser normal. Se tentar ser normal, ele será um governo estéril.

Sei que o governo tem recebido críticas, de dentro do PT, em particular quanto ao episódio Ford, de "reformista", de "conciliador". Acho esse tipo de crítica, a essa altura, uma insanidade. Não quero me somar a elas. Mas acho que há um aspecto que merece reflexão: cada dia mais, na política, o que vale é a versão, e não o fato. E a versão do episódio Ford foi, inclusive para a própria base de apoio do governo, desfavorável. Segundo a mídia, o governo pela direita teria sido incompetente para manter a montadora e pela esquerda atuado de maneira claudicante, receosa das opiniões contrárias.

O Busatto, além de histérico, ou talvez por isso, não é uma pessoa comum. Ele sabe que nestes tempos midiáticos a versão é o fato. Quando ele promove ações como a manifestação em frente ao Palácio, não está pensando na ação em si, mas na cobertura de imprensa, na mídia. (Um pouco como o MST, que encena a violência - bandeiras vermelhas, foices etc - para multiplicar a força midiática da sua luta.) O que ele não esperava é que o Olívio fosse louco o suficiente para subir naquele caminhão e roubar a cena....

Mas o que o Busatto está pensando é em manter as suas tropas de prontidão. É lembrar para o seu apoiador - pai ou mãe de algum colega de minha filha - que ele precisa continuar combatendo. E isso, cá para nós, o Busatto conseguiu. Atabalhoadamente, mas conseguiu.

Em tudo o mais, estou de acordo com o Gerbase. No que não estou de acordo pode ser só produto destes vírus gripais que, depois de tornar meu cérebro mais lento que uma tartaruga, espalham mal estar por todo o meu corpo.

- Uma vitamina C pelo amor de Deus! Qualquer coisa!
 
 
Paulo Cezar da Rosa
veraz@uol.com.br
 


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