Por Jorge Furtado
Recebi ontem o seguinte e-mail:
Cara Carla Não precisa pedir desculpas Carla, você não incomodou mais que a miséria que nos cospe na cara todo dia. Mas você parou para pensar no que significa o tal site? A empresa patrocinadora (um fabricante de remédios) se compromete a entregar "meia xícara de grãos cozidos", teoricamente salvando uma pessoa de morrer de fome, em troca de uma divulgação de alguns segundos na internet. Meia xícara de arroz cozido deve custar algo perto de um centavo. É o preço que o anunciante paga pelo anúncio, explorando a sua boa fé. É o que o mercado está pagando por uma vida. O valor deve ter sido estabelecido pelo gerente de marketing da tal empresa: "Tive uma idéia genial! Que tal a gente fazer uma mala direta ao custo de um centavo salvando criancinhas de morrer de fome?" É uma chantagem cruel: ou você vê o tal anúncio ou uma criança vai morrer de fome nos próximos 3,6 segundos, por sua culpa. O site informa que você só pode salvar uma criança por dia. Será que o patrocinador muda diariamente? Acho que amanhã vou salvar outra criança da morte, só por curiosidade. Desculpe Carla, mas eu não vou dormir mais leve por ser informado que vivo num mundo de merda onde morre uma pessoa de fome a cada 3,6 segundos e que a vida dela vale menos que um anúncio vagabundo de remédio. Já está nas livrarias a nova edição de "Se Um Viajante Numa Noite de Inverno", de Italo Calvino. (Companhia das Letras, tradução de Nilson Moulin). A única edição brasileira (esgotada há 15 anos) é uma raridade, já acordei ácaros em sebos de vários estados e nunca encontrei. Foi o primeiro livro dele que eu li (emprestado) e, mesmo com as maravilhas que se seguiram, nenhum me causou o mesmo impacto. Entre todas as engenharias narrativas experimentadas por Calvino, Perec, Eco e turma, "Se Um Viajante..." é a mais surpreendente. O tema é a presença do leitor na história. Desde a primeira linha você é o personagem principal de um livro cheio de suspense, aventura e humor. Todos os conceitos teóricos de narratologia que Umberto Eco debulha em "Lector in Fabula" e nos "Seis Passeios Pelo Bosque da Ficção", Calvino transforma numa história que se lê com a fluidez de um policial, dos melhores. Encontrei uma edição portuguesa (Editora Vega, 1993) que reli apesar dos tropeços, o primeiro já na capa: "Se Numa Noite de Inverno Um Viajante". É uma tradução mais fiel ao original italiano, Se una notte d´inverno un viaggiatore, mas acho que o critério usado não foi só o da fidelidade. Portugueses não começam uma frase com "Se um...", tinha que ser "Se numa...". Leia os dois títulos em voz alta, variando o sotaque, que você entende o motivo. (Tem a ver com a tendência à elisão da prosódia lusitana. Ou qualquer coisa assim). O título já é uma obra-prima, uma bela quase frase e prefiro na versão brasileira: o suspense do condicional, um personagem em movimento, um cenário com sua luz e temperatura e a angustiante ausência de um verbo. O que fará um viajante numa noite de inverno? Leia para descobrir. E depois me agradeça, de preferência em espécie. FHC finalmente achou a maneira certa de resolver os graves problemas do país: vai trocar Nãossei Quem (PMDB-PI), ministro de Não Se Sabe O Quê, por Quenhésse Cara? (PFL-PA). Ao ver a lista dos demissionários e pretendentes constata-se que há nomes muito mal aproveitados. Valdeck Ornelas, por exemplo, deveria estar em outra pessoa. |