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NO MILÊNIO COM UM PÉ ATRÁS (E NÃO ME DIGAM QUE É COM "UM PÉ ATRÁS NA TRADIÇÃO") Por Tatiana Rosa Alguém conhece o Merce Cunningham? Pois deviam. Coreógrafo norte-americano (pra que conhecer dança, não é mesmo?). Marido do John Cage(curiosidade elucidativa). Com Cunningham o palco não teve mais centro. Nem o corpo humano. Suas coreografias são combinações sorteadas a cada espetáculo, onde a relação com o cenário e a musica é também apenas casual. Depois de Cunningham a dança saiu do palco. Para a geração que o seguiu, carregar tijolo ou sair rolando pela grama do Central Park passou a ser dança. Pintor passou a ser coreógrafo. Etc. Tive a graça e a delicia de assistir o Caetano em NY ontem (!!!), teatrão lotadíssimo, cheio (sim) de americanos que não balançavam a cabeça NUNCA (AAAARGH!!!), no meio dessa onda de MPB que passa pelos jornais daqui. La estavam ele e o Jaques Morelenbaum fazendo o discurso das misturas, raças, antropofagias. Etc. As luzes tão estudadas quanto os gestos do Caetano, que fariam a delicia dos coreógrafos americanos (todos eles abstratos e exatos. Nítidos). Bom, forte e consistente como as letras dele que a gente ama. "Manhatã" tem uma parada súbita, pra que a canção seja retomada de novo, americanamente, como qualquer técnica com trademark, como CD ROM. Poucos segundos que fazem uma canção ser um pouco menos uma canção, aquela coisa que deve ter refrão e alguns minutos. Coisa de Caetano, de deixar a canção viva como crítica, sem que ele mesmo tenha que falar depois, o oculto óbvio (obrigada Rosiane Zorzatto). Mas ele não resiste, a gente sabe (em inglês o que ele fala perde muito em sutileza). Para introduzir a musica sobre a vanguarda paulista (qual é o nome?) discursou (...) sobre o erudito contemporâneo cruzando o pop. E cantou a canção, que é canção, acaba até com um acorde inteirinho. O que quero dizer (finalmente) é que, com o Cunnigham (aí esta ele) fresquinho em minhas idéias e vivências, foi fácil observar como o brasileiro que melhor discursa (de novo) e representa o potencial subversivo e democrático da cultura brasileira fica o tempo todo fazendo o caminho de entrar e sair do spot central do palco. E como a necessidade constante de afirmar autoria acovarda uma canção que acaba sendo bem menos visionária que "Baby" (obrigada Jerônimo Teixeira). Esta lá, um acorde final como um ato falho. O show é moderno, Caetano é moderno, o moderno de 500 anos, com início, meio e fim, com centro nas falas, nas luzes. Bom demais quando mostra um Brasil que é mistura sem precisar ser caos. Mas fica ali aquele sinal. De como a cultura brasileira tem tudo - o jeito de subverter e dinamizar - pra ser mais, simplesmente mais, e de como não temos culhão - ou vivência - pra abrir mão de exigir gênios e apenas gênios. (esta é do Tom Jobim, não é?). Caetano não tinha que fazer um show pós-moderno de cartilha. Assumir a canção é sê-lo sem ter que dizê-lo. Os que ele tem, tem a compulsão de dizer que ele fez, segue assinando embaixo. Por cagaço? Por mania? O fato é que temos (brasileiros) todos a mesma mania. Nosso ícone botou um pé atras e não foi no "arcaico". Só mais umas coisinhas: Os "pós" e os filhos dos pós novaiorquinos aceitam gestos controlados e odeiam ver sexo nos corpos (são sempre os primeiros a verem), ao mesmo tempo que tem uma disponibilidade estimulante para improvisar. Enquanto a geração herdeira dos anos 60 assume numa publicação que a sua técnica (o "release") é algo longe de estar acabada, essa mesma discussão é feita por uma luta com facão para delimitar territórios. Técnica de Martha Graham (moderna) leva sinalzinho de marca registrada. De alguma maneira a dança nova-iorquina tem um pé atrás também. Danças difusas são encontradas na Bélgica. Mas tem algo nas ruas de NY que me faz ler o NÃO, por exemplo, com mais desesperança. Que faz o nosso pé atras ser mais cartesiano, mais fresco (de frescura, não de frescor). NY não é uma terra de gênios. É de preços e de instruções a serem seguidas. (Olhem essa: Meredith Monk surpreendeu-se quando foi falar com Caetano no backstage e ele disse que tinha discos dela. Porque ele é o seu cantor preferido e ela parece sinceramente se considerar apenas ela, alguém por aí, mesmo. Não deu no jornal, a gente viu, no backstage.) POA é legal demais, a gente descobre isto em NY rapidinho. Mas também descobre que é mais difícil fazer vista grossa pra auto-condescendência coletiva. Que está na exaurida discussão da possível origem disto tudo (a invenção das desculpas), ou no discurso sobre o discurso. Essa parte eu pulo. Tem um monte de idéias e coisas excelentes por aí, no Brasil, em POA, no NÃO, mas o entulho da busca da genialidade é um porre e ocupa muito espaço. Isto também é inflação. Parece que o Cunningham ficou meio sobrando, mas quem sabe interessa a alguém. |