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O meu dogma é maior que o seu Por Tomás Creus Eu não ia escrever mais neste "Não" - afinal de contas já tenho dois textos, mais o editorial, e seria muita cara-de-pau o próprio editor ser o sujeito com mais matérias na edição. Mas enfim, li o artigo sobre o "Dogma 1,99" do Fred, mais a matéria da Veja, mais o comentário do Jorge Furtado sobre a matéria da Veja, e decidi que eu tinha que dar a minha opinião também, por ridícula que fosse. (Ser editor tem as suas vantagens...) Duas regras do meu "Dogma-99", publicado na edição anterior do Não (Nr. 63, editado por Giba Assis Brasil) causaram polêmica. Uma delas se referia à limitação das verbas nos filmes (se não me engano, 300 mil dólares para longas e 30 mil para curtas). A outra se referia à não-cobrança de cachê por parte do diretor, bem como a recusa de convites para visitar a Ilha de Caras. Deixemos o segundo item pra lá, e analisemos o primeiro. 1. Deve haver um "teto" para o orçamento dos filmes? Não sei. Acho que não, mas também acho que os valores deveriam ser realistas. Por realistas, entenda-se que o filme deveria ter condições de se pagar. Ou seja, se o filme custa sete milhões, deveria obter o mesmo de bilheteria, e assim sucessivamente. Alguns argumentarão que isso é sonho, que não se pode competir com o cinema americano, etc, etc. Concordo. Mas a questão é que também não se pode dar sete (ou oito, ou nove) milhões para o sujeito fazer um filme ruim que vai ser visto por sete pessoas (ou oito, ou nove). Deve haver um mínimo de bom senso, até para evitar as fraudes. E filmes bons podem ser baratos e simples (Ex.: Bergman fez "O Sétimo Selo" com 250 mil dólares e filmou em duas semanas). Por outro lado, como já disse o Furtado, bilheteria não é sinônimo de qualidade. Enfim, a solução é complicada. Passemos à próxima pergunta. 2. Se sucesso de público não é sinônimo de qualidade, como medir a qualidade? E eu vou saber? Mas pense no seguinte. Se um sujeito faz um filme, ele quer que ele seja visto, por mais "difícil" ou "hermético" que seja. A arte só existe quando entra em contato com o espectador. Há filmes que tem um público mais seleto, e há filmes que têm um público mais abrangente, mas o cinema é SEMPRE feito para o público (algum público, nem que seja a mãe do diretor). Claro, o público é que nem sempre corresponde, e assim há filmes que são maravilhosos e, no entanto, dão prejuízo, nem a mãe do diretor vê. E, para dar um exemplo de outra área, Van Gogh nunca vendeu um quadro em sua vida, e suas pinturas são inegáveis obras de arte. Enfim, a questão também é complicada e não sou eu quem vai resolver. Próxima pergunta, por favor. 3. Como fazer para que o cinema brasileiro tenha mais público? Os leitores da Veja terão notado que os dois filmes citados na reportagem como "ótimos" foram os de boa bilheteria "O Quatrilho" e "Central do Brasil". Tais filmes obtiveram tal bilheteria (e tal elogio de Veja), em parte, por ter sido indicados ao "Oscar". Ou seja: a solução mais óbvia para aumentar o sucesso de público seria ter um agente infiltrado na Miramax que compre os filmes brasileiros e faça bastante lobby para que eles sejam indicados para os Academy Awards. Outras sugestões: 4. Mas por que tantos filmes ruins? Por que, meu Deus, por quê?!? Calma, não se exalte. Existe uma verdade que se aplica a todas as artes, que é a seguinte: não existe um artista mais seguro do próprio talento do que aquele que não tem nenhum. Até os gênios vacilam às vezes - mas os maus poetas, os péssimos pintores e os cineastas pavorosos jamais duvidam da qualidade de suas obras. Até aí tudo bem, bastaria ignorá-los. O problema é que, enquanto quadros e livros são relativamente baratos, um filme custa milhões. A solução? Tentar convencer esses pobres infelizes - os cineastas sem talento - a se dedicar a um ramo das artes menos dispendioso e mais propício às suas habilidades, como a pintura em cerâmica ou o bordado em aventais. É o que eu estou praticando para o caso do meu curta ser vaiado em Gramado. 4. Como fazer para o cinema nacional dar certo? Um dos jeitos (o melhor) é adotando o "Dogma-99". O outro é adotando o "Dogma 1,99". E o último é estabelecendo algum requisito mínimo de qualidade para os filmes feitos com recursos públicos. Como? Bom, aí perguntem para o Furtado ou pro Giba, eu só sou o editor deste "Não" por acaso. 5. Como financiar os filmes brasileiros? Todas as cinematografias, fora a americana, contam com algum tipo de subsídio. O truque está em como tal subsídio é oferecido. Dizem que lei inglesa é boa. Eu não sei. Uma solução talvez seja condicionar o filme a algum tipo de retorno, que não precisaria ser financeiro. Ou então impedir que os maus diretores façam filmes. Por exemplo, se o filme fosse muito caro e ficasse muito ruim, o diretor perderia alguns pontos na sua "carteira de cineasta" (ué, não estavam querendo criar uma carteira de escritor?), até ser desabilitado. É uma idéia. Ainda outra solução é a apontada por Diogo Mainardi. Eu sei, o Diogo é um sujeito contraditório: vive falando mal dos escritores brasileiros e no entanto só escreveu romances ruins; agora defende uma melhor qualidade do cinema brasileiro, mas escreveu um roteiro de filme "constrangedor" (eu não vi, mas confio na opinião do Jorge Furtado). Mas sua idéia de fazer a TV pagar pelo cinema é interessante: afinal, a TV depois poderia lançar o filme, e até lucrar com isso. É claro, o problema é que aí os critérios da TV seriam os que definiriam qual filme é bom e qual é ruim, e levando-se em conta que os programas de maior sucesso são do nível do "Ratinho" e da "Tiazinha"... Bom, como solução alternativa, sempre resta o recurso de pedir dinheiro emprestado ao tio Atanásio. Como se sabe, ele adora contribuir com o cinema nacional. 6. Você, enquanto diretor, tem alguma mensagem para o povo brasileiro? Sim: leiam o resto do "Não". Escovem bem os dentes ou poderão se arrepender no futuro. Façam todos os dias uma boa ação. E não levem excessivamente a sério os meus conselhos, afinal quem está falando aqui é um cara que fez o seu único filme com recursos públicos (ainda que provindos de concursos competitivos específicos para a área), e o dinheiro não poderá ser recuperado na bilheteria (pois é um curta-metragem, portanto com poucas possibilidades de exibição comercial). Como consolo, o fato de que custou menos de 30 mil dólares, que eu não cobrei cachê, que terá muitas exibições gratuitas e que juro que se me convidarem para visitar a ilha de Caras, eu não vou. (A não ser que a Luana Piovani e a Ana Paula Arósio vão junto, mas aí é outra história...) |