Back to life
por Clarah Averbuck
Ah, você só quer que eu me comunique em último caso? Pra não lembrar que eu existo? É, minha existência te perturba. Que novidade.
Ah, você não quer ouvir minha voz? Só porque lembra que nunca vai me esquecer? Só porque vê que é um fraco, não pode me sentir que desaba, em prantos, voltando à estaca zero? É por isso?
Não, não quero ser sua amiga, tolinho. Não QUERO ser sua amiga.
Não temos nada em comum, lembra? Só quero que as coisas terminem direito, com os pontos nos lugares dos pontos. Nada de ponto-e -vírgula, nada de parágrafo-nova-linha. Só um ponto final, que já devia ter chegado há muito tempo se não fosse a lembrança de você em mim, de sua boca na minha, do seu corpo sendo um corpo junto ao meu. Se não fosse a porra do sexo, ou o sexo da porra. Se não fosse a distância que me enganava, me cegando à realidade que saltava aos olhos de todos, menos aos meus: era só sexo. Era só carne. Eram só beijos e línguas e mordidas e sêmen e fluidos, eram só gemidos e sorrisos. Era só sexo. E não venha chorar nos meus ouvidos, agora. Sempre foi tarde, desde o primeiro dia, desde sempre. Sempre foi errado e inútil, mas me recusava a aceitar. Não, sempre não. O começo era bom, mas era pra ter sido um começo-fim, sem esse meio que me fez perder anos e anos em meses. Sem esse meio que me fez voltar pra tentar te acompanhar e te trazer pra luz. AH, mas eu também não queria que o fim chegasse. Quando se aproximava, me agarrava a você, chorando como uma estúpida, implorando não me deixa! Por favor! sem nem saber porquê. Na verdade, cada vez que você ameaçava me deixar, era um misto de desespero e alívio. Teria minha liberdade de volta! A liberdade que sempre tive, desde que saí do útero da minha mãe. Liberdade que você desesperadamente tentou tirar, nessa brincadeirinha de encaixotando Helena. Liberdade que você quase tirou, junto com a minha vida. Junto comigo inteira. Junto com tudo que perdi por sua causa.
Agora você voltou pra sombra, sozinho, desconsiderando tudo que passou. Você não passa de um fraco. Um fraco que joga fora todas as lembranças, queima pontes e que quer começar tudo de novo, errando de novo, com outra pessoa que se preste a dedicar todo o tempo a você. Outra pessoa que abdique dela ela mesma pra ficar com você.
Eu fingia, sabe? Durante muito tempo fui atriz, no papel de menininha satisfeita e meiga, fingindo que estava feliz com você, enquanto ruía por dentro, enquanto queria me pintar com cromo, tomar drogas e sair nua gritando hakuna matata pela Av. Paulista. Enquanto meu mundinho fervilhava, gritava, queimava dentro de mim, eu soltava fumaça pela boca e disfarçava o gosto com um halls. Disfarçava pra você não sentir o gosto de ácido sulfúrico. Disfarçava pra você não me ver queimando. Disfarçava porque estava idiota.
Muitas vezes chorei, enquanto você estava dormindo, respirando nas minhas costas, achando que tudo estava bem. Chorei por estar num lugar a qual não pertencia, que me fazia mal, que me fazia definhar, que me fazia querer morrer, gritar, subir na mesa e acordar todos os medíocres com quem você convive. Convive com medíocres porque não passa de um medíocre. Um medíocre que de tão afundado na mediocridade, não a vê. Você queria destruir os meus dons, queria que eu fosse nula e inválida, queria que fosse transparente aos olhos
alheios, porque é tão medíocre que não os entende. Tão medíocre que me queria igual. Tão desgraçadamente medíocre que tentava apagar minha estrelinha.
Não há como apagar estrelas, paspalho.
Não, não quero ser sua amiga. Não tenho nada a dizer. Só quero que você leia e entenda:
F I M.
Efe-i-ene ponto.
Fui Clarah?
XXX
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