CORRENDO PARA OS BRAÇOS DA AMÉRICA

por Adriana Amaral

Lá pelo fim de abril, estava sentada em meu almoço dominical com a família e um telefonema acabou com minha paz de espírito. Era do aeroporto, lugar para onde meu namorado deveria ir e buscar um amigo vindo dos Estados Unidos, mais especificamente de San Diego, Califórnia. Eu, que já nem lembrava que iríamos hospedá-lo, pensei que afinal de contas seria legal, conhecer mais alguém e ainda por cima de outra cultura. Também pensei pelo lado prático e vi que poderia tirar o mofo do inglês.

Mas, como eu já deveria ter previsto, uma sucessão de eventos muito estranhos começou no exato instante em que o gringo pisou em nossa porta. O rapaz era um clichê ambulante. Em primeiro lugar, ele nem pensava na existência de Porto Alegre, só perguntava pelo Rio de Janeiro e pela Amazônia, da qual não sentiu nem um cheiro. Até aí, tudo bem, é mais do que normal que eles não tenham a menor noção do que fica fora do umbigo dos EUA. Após uma cansativa aula de geografia - com a direito a mapa e tudo - ele resignou-se e percebeu que não veria índios nem tampouco animais ferozes e sim as quatro paredes de um apartamento na avenida Carlos Gomes.
O brutamontes parecia um irmão mais velho do Beavis and Butthead. Cheirava mal, ria de tudo (sem motivos) e falava um inglês que faria Lord Byron revirar no túmulo, beirando o incompreensível. Suas frases mais brilhantes eram "Hã I see...", ou então, "Oh, yeah,`cool...", quando ele não disparava o indefectível "hã,hã, cheeks".

Confesso que da montoeira de gírias esta última era a que mais me incomodava. Machismo de primeira linha e com um porco norte-americano que comia qualquer comida com as mãos, sem usar os talheres (incluindo salada, arroz e feijão) e assoava o nariz com as meias sujas que acabara de tirar dos pés. A sorte é que as meias em questão eram retiradas do quarto de hóspedes pela empregada, que atônita me perguntou. - "Tem certeza que esse guri veio do primeiro mundo?" Confessei que aquela pergunta era impossível de ser respondida sem uma tese de doutorado e mesmo assim restariam dúvidas. Mas, voltando ao assunto do machismo, o garoto quase ejaculou pelas orelhas ao ver as beldades gaúchas. Tudo bem, até dá pra entender, pois nossas moçoilas dão um banho naquele monte de Pamelas Anderson e Cher, totalmente sintéticas e produzidas em série, aliás como o próprio povo dos EUA. O mais patético disso tudo é que ele nos contou que trouxe um pacote de camisinhas para caso de necessidade (ótimo, ele tem noções de sexo seguro!), na hipótese de não encontrar esses produtos por aqui.

Imaginem que, quando estava saindo pra viajar, o pai do bagualão disse pra ele que aqui no Brasil seria uma barbada pra comer alguém, que as mulheres nativas eram muito disponíveis. Ao escutar tal comentário, páginas e páginas de "O Segundo Sexo" apareciam por inteiro no meu cérebro, mas fiquei tão sem resposta que apenas disse a ele que não era tão fácil assim. Foram quinze dias de martírio com a visita do rapaz. Tive de ouvir perguntas de um cara de 25 anos que minha sobrinha de 12 anos responderia em poucos segundos, tais como: "mas a Rússia não fica na Alemanha?" ou então: "mas existem pessoas de cabelo loiro e vermelho aqui?" E eu que passei a vida reclamando de ter estudado em colégio público!

Em contrapartida, meu namorado fez o garoto se encharcar de cultura local. Churrasco, mocotó (pasmem - argh! - porque ele adorou e lambuzou os beiços), jogo do Grêmio no Olímpico, governo de esquerda na Prefeitura e no Estado, Festa Cinemeando no Garagem Hermética e outras cositas. Ao embarcar no avião ele apenas balbuciou:

- "You are fuckin' crazy!"

XXX

CLIQUE NO BACK PARA VOLTAR À CAPA