Alegria. Felicidade. Prazer. Não
acredito que essas coisas sejam incompatíveis com a arte. A alegria
é, no final das contas, o objetivo da arte. Fazer as pessoas um
pouco mais felizes, quer coisa mais nobre do que isso? Mas é preciso
reconhecer, como disse Croce (e seu discípulo Tigrão), que
"um véu de tristeza parece envolver a beleza, e no entanto não
é um véu, e sim a própria face da beleza". Quer dizer,
embora a alegria seja o objetivo, a gênese da arte quase sempre é
a melancolia, a tristeza, a constatação de que nossas vidas
estão irremediavelmente erradas, a certeza de que fazemos escolhas
estúpidas, o tempo todo, e pagamos por isso. E é caro. Este
Não 65, singelo e cheio de imperfeições, é
dedicado às pessoas que ainda conseguem ser felizes em meio ao caos.
Enfim, à grande tribo Odara, da qual não faço parte
(mas, sempre que convidado, faço uma visitinha: as festas costumam
ser ótimas).
XXX
O NÃO-ODARA era pra ser uma seção
permanente do NÃO, mas aí percebi que estaríamos infringindo
uma lei imexível desta publicação: o editor manda.
Assim, em vez de uma seção, temos esta edição,
em que eu mando, e, portanto, posso ser odara sem dar explicações
pra ninguém.
XXX
Nenhuma contribuição foi
recusada. Se alguém mandou alguma coisa e ela não está
aqui, deve-se a extravio, incompetência do editor ou falha operacional.
Extravios, incompetências editoriais e falhas operacionais são
acontecimentos muito comuns no universo odara. A maior falha operacional
aconteceu com os dois gifs animados (aliás, ótimos) enviados
pela Carla Barth. Primeiro, não consegui transportá-los para
uma página em HTML, depois meu HD dançou, e eu fiquei sem
cópia nenhuma. E depois não consegui achar o mail dela pra
tentar consertar minhas burradas. Então: ALÔ, CARLINHA, MANDA
DE NOVO TEUS GIFS! Eles entram, com o destaque que merecem, assim que chegarem
(acho que já sei como colocá-los).
XXX
O Jorge já vai explicar a origem
da palavra "Odara", que obviamente é africana, mais precisamente
ioneba (com certeza é de um lugar quente, em que as mulheres andam
semi-nuas e os homens só pensam em sexo). Não me interessa
a origem nem o sentido da palavra, só sei que foi Caetano Veloso
que a popularizou, e que muito ouvi aquele disco, eu a minha irmã
Andréa, que já tinha feito a cabeça, enquanto eu careteava
com meus amigos anchietanos. Tenho saudades deles, gostava daqueles jogos
de bola, mesmo que fôssemos todos do segundo time.
XXX
Nosso segundo time era divertido. Até
o Moriguchi jogava no gol. Nosso brioso segundo time era odara. Não
tínhamos vergonha de ter na sala pelo menos onze caras que jogavam
melhor do que a gente (e portanto eram do primeiro time). Muito pelo contrário:
eu dava cola para muitos deles. Principalmente pro Caleffi, que jogava
muita bola, mas era péssimo em matemática, física
e qualquer coisa que exigisse uma equação de segundo grau.
Eu tinha prazer jogando naquele segundo time, com meus amigos tão
pernas de pau quanto eu. Esse é o verdadeiro sentido da palavra
odara. Seja feliz fazendo o melhor possível, mesmo que o seu time
seja o segundo time.
XXX
Lembro de um gol que fiz, de cabeça,
na cobrança de um escanteio, provavelmente batido pelo Bolognesi.
Eu corri na direção da bola, que vinha forte e alta, e pulei
alto, acertando em cheio na testa, enquanto torneava levemente a cabeça,
procurando o canto oposto do goleiro. A bola entrou no ângulo. Ninguém
acreditou que eu tinha feito aquele gol. Nem eu. Quase não vibrei
por fora. Tem coisas que é melhor guardar para um momento mais importante,
como esta edição do Não, vinte e três anos depois.
Aquele golaço de segundo time foi odara. Muito odara. E duvido que
o Caetano tenha feito um gol tão odara assim.