Lá em Berlim
por Tatiana Mora Kuplich
Berlim. Podia ser um deles: nativo, habitante, anjo, alguém a ser salvo, sei lá. Podia chegar de trem lotado, até punks e cachorros e um anjo-avó que deu cuca e um lugar pra sentar. Podia falar alemão pra discutir a arquitetura do novo Reichstag, talvez com um anjo-operário. Podia ser operária também, construindo Berlim pro novo milênio e dividindo espaço nos cafés com turistas. Podia ser um anjo da Ucrânia, que ensinava inglês e casou lá pra conseguir visto. Podia ser um anjo chamado Monika, ter um hotel no cult ex-lado oriental e decorar tudo como se não fosse kitsch. Podia ser arqueóloga alemã e expor portais e altares, roubados da encantada Babilônia. Podia trabalhar na lojinha do Arquivo BauHaus e cobrar muito por tralhas chiques. Podia alimentar os pandas no Zoo, observar gorilas bem de perto e encontrar o anjo-Otávio pela segunda vez. Podia frequentar biergartens, nos parques, comer grelhados todo dia e encontrar outros pais, com anjos-crianças que já falam alemão e sabem tudo de dar comida aos patos. Podia acordar com barulho de britadeiras, que fica como ruído branco. Podia jogar volêi de praia nas canchas de areia do final da linha do ônibus 100. Podia ser descendente de russos e ainda me gabar de toda cultura que estava no lado deles. Podia estar encantada e comprar bicos Nuk e comidinha orgânica pra Bela em toda esquina. Podia ser boba a ponto de me emocionar com a saga da busca da liberdade no caótico Museu do Muro. Podia ficar triste com a manutenção do sempre sonho de ter uma Leica. Podia ter um endereço, pegar qualquer S-bahn, sentar ao lado do Wim Wenders e saber porque "Paris, Texas" não está na sua mostra (*). Em Berlim.
(* www.basisfilm.de)
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