UMA VERSÃO DOS FATOS
por Fernanda Barth

(nota do editor: a Fernanda pediu que eu selecionasse, mas achei que, para um Não Odara, nada melhor que uma dose cavalar de poesia. Deliciem-se. A Fernanda é essa garota aí de baixo, sem a viagem de ácido, é claro).

A minha pressa me obriga a descer do ônibus antes dele parar completamente, para que eu aproveite a inércia para manter a velocidade. Me sinto como uma mistura do coelho da Alice com Macunaíma. A pressa de não querer perder meu precioso tempo de descanso. A preguiça quando vejo que se fizer tudo ainda falta tudo.

É TUDO culpa de Einstein e da teoria da relatividade que acabou com o espaço tempo limitado, coordenado e regrado. Bagunçou tudo e não apontou o caminho. Depois eu tenho que ouvir me chamarem de irresponsável por não querer seguir as regras pré-determinadas pelos mortos, detentores do poder (salve Adelmo Genro!), que acham que relatividade é uma palavra boa para ser usada quando o ponto de vista e a moral deles não é dirigida senão em proveito próprio, o que descarta quase toda possibilidade de acerto e boas ações.

Mas ces't la vie!

(...)

Li sobre o suicídio de Torquato Neto, poeta que amo. Não sei se a vontade de ler e devorar o que ele deixou não é menor do que o medo de ser influenciada pelos seus pensamentos melancólicos e perder minha própria linha de pensamento. Pior do que isto só se ele encarnasse em mim e tomasse conta das minhas mãos e do meu cérebro para escrever o que gostaria de ter dito e que ficou enuviado pelos desejos suicidas. Ele morreu em 72, ano em que nasci. Se vivo, será que continuaria rebelde às causas fúteis? Ou já teria se cansado de falar com paredes sobre verdades de que tinha certeza. É como ser Mick Jagger e ter que cantar durante 20 anos que não consegue ter Satisfaction, haja saco! Mas eu lia sobre Torquato e uma tristeza sem limites me abateu. Ao fundo (sem ser piegas!) tocava Bridge Over Trouble Water, e pensei que era tudo o que ele devia ter buscado em vida, mas acabou pulando nas águas turbulentas por que elas eram menos turbulentas que sua alma e o acalmaram. Triste porque em algum ponto do que Waly Salomão contou sobre Torquato, eu me vi em lentes claras e olhos turvos. Porque me senti inútil e impotente em minhas vontades e ações. Porque como ele disse, nesta vida, desde o nascimento vem carimbado sonhos ñ= ações ñ= vontades = infelicidade.

Preciso recobrar a confiança nas palavras, construir uma consciência escrita, impossível é aceitar levar a vida como conto estagnado.

XXX

UM BATALHÃO DE

DEDOS

OU SERIAM APENAS

OSSSOS

APONTAVAM A MINHA BARRIGA

REDONDA

E A PROCLAMAVAM

HEDIONDA

PARA ELES CUSPIA APENAS OS

CAROÇOS

DE TODOS OS

TROÇOS

QUE DEGLUTIA

 

quem é meu rei? em quem confio? qual é o meu sonho verdadeiro? o que mais motiva as minhas ações a não ser a vontade que me obriga - desejo?

 

Somos todos cínicos

 

não chore meu amor

não fique assim tão pálida

foi só uma dúvida

que beijou a tua face

com a língua serpenteante e cálida

não chore meu amor

não desperdice assim tuas lágrimas

eu nem te traí ainda

guarda toda esta água

já sabias que o amor

deixa a vida atrapalhada

por um lado te acaricia

por outro te envenena e mata

 

Maria e Serafim

 

Maria Cigana

cansada de ser profana

se autoproclama

musa de Serafim

agora quer ser mucama

de cama, mesa e afins, Serafim?

 
Vem a neblina sobre tudo
e não vejo com clareza o outro lado da rua
sombras se movem enlaçadas na noite
as luzes dos carros parecem maiores e desfocados
e não me ajudam muito
se não bastasse
o frio corta os meus ossos
faz meu pulmão arder
o que estou fazendo aqui
no frio e na neblina,
quando tenho cama quente e lareira?
o que estou fazendo aqui sozinha
quando alguém espera por mim?
incógnitas noturnas
mas poderia estar chuviscando
sobre minha cabeça

devo agradecer contudo...

 
As anotações da noite: Parte I
Tudo se desenrola de forma estranha.
Estou em um lugar que pensei querer estar mas agora percebo querer estar em outro lugar.
As anotações da noite: Parte II
Os quadros na parede são horríveis.
Fica claro o critério artístico determinante:
amizade ou parentesco.
Anotações da noite: Parte III
As vezes sentir-se estranho ao grupo é um critério de qualidade. (...)
Quero atravessar o espelho e me encontrar com Alice.
Ver tudo do lado de lá, só como observadora e passar tudo a limpo. Dizer as palavras que cabem a quem deve ouvi-las e sentir-me livre destes pensamentos, que trancados ricocheteiam pela minha cabeça e calam a minha boca.
Vomitar os pensamentos e ser sempre verdade.
Anotações da noite: Parte IV
Ela é o retrato da ingenuidade. Mal sabe que foi vilmente traída pelo aspirante a cafajeste com quem anda.
 
V
verdade
vinga
vítima
vitória
vida
vibrante
voa
vastos
vinhedos
valorosos
 
A lua é a iris do meu céu.
As nuvens, o congestionamento que vem com os excessos, mesmo os de pensamento e voam para onde se dissipam, chovem ou se transformam em simples ar que respiro.

 

UMA ESTRANHA NOITE NO OCIDENTE

* montagem de escritos a 12 m
1

uma gueixa virgem, japonesa, de pés pequenos esmagando uvas da colônia, vestindo um kimono pintado em ouro e sem calcinhas - mas com talco chinês! - o suor dela se mistura com o sumo e ninguém entende como o vinho pode ser tudo o que foi.

fora tão gostoso assim?
numa piscina de leite nos afogamos!!!
 
2

 

A Síndrome de B.H.
08/05/98
"O primeiro relato". 2:48 A.M.

Será que as minas existem?

de repente todo mundo acordou sem nada na cabeça, a não ser os cabelos.

Ai! Pára! Sou muito novata para ouvir isto...

Então feche os olhos!

Minas nunca mais.

Minar pra quê!?

Minais porque queirais...

Minas nunca existiu, é tudo uma intriga da bel política do pão de queijo. Queijo Minas

nunca é de Minas.

Minas é moderno?

Minas já usou gravatas?

Minas já morreu?

 

3
 

Ao talco dado não se olha os dentes... "e olha que é talco chinês!"

 
4
 
o plágio é genético
 
5
 
você foi um escravo muito bommm você merece um banho dourado

 

verde no vermelho

amarelo c/ pouco branco

preto c/ cinzas

a diferença é o limite

brindamos a todas as manhãs, principalmente as que dormimos (?)

bocas que beijamos podem ser ontem. nunca. nada.

podem ser apenas troca de líquidos

salivas sem propósito

podem ser tudo o que se quer

e mesmo depois

se depois

se tornarem nada

um dia os sabores foram

apreciados

o que sobra é

perigo

aquele beijo nunca mais

as vozes,

as horas,

os sons,

significam

não

significam

sim

significam

qualquer...

não levanta bandeiras

mas tem idéias

é covarde

não quer discutir

se eu não der por conta da influência

posso um dia vir a sonhar ou imaginar ser realidade primária e original minha

ela diz e tem certeza

ele diz e dá versão

ela já não sabe o que é

depois planos

programas,

eu, tu, ela, os outros

que deixaram ou não

de ser os outros

p/ se tornarem tu, ela, ele, eu

no que in corporo

dos sentidos alheios

Os argonautas e as sereias
 

As ondas que quebram na enseada,

seriam apenas ondas e mais nada?

Poderíam ser sonhos as ondas quebradas?

Lindo raio corta o céu de abril.

Seria o raio o flash da máquina de Deus?

O quanto é preciso acreditar

para se ter fé?

Valerá a pena?

Porque dói em mim seu sapato apertado?

No hospício há um louco que escreve lindos poemas,

esperando a noite cair.

Quebrará todas as conchas para libertar

seu próprio mar de peixes cantantes...

se se começa a ficar louco se deixa de ser são?

e quantos não o são?

Entende!?

será que me entende?

Não vou a lugar nenhum,

esquecí o meu chapéu!

rgine6n!mikoieedmd/yhuedjbduefnc?uidjfjh!!!!!!!!!

 
 
 
ARIDEZ
 
SERTÃO SÓLIDO
COMO PEDRA
INDIGESTÃO
SER TÃO SÓ LIDO
COMO PEDRA
COM O CORAÇÃO
DESEJO SER TÃO LÍQUIDO
LIQUIDAR COM O SERTÃO
 
JIM

 

Jim, vinho tinto

delírio

supremo

loucura

plena

desautorizada

sistemática e

atordoante

janelas

coloridas

fendas profundas
estrelas de

diamante

rimas

estúpidas e

cortantes

no fim

poesia errante

sociopatia

militante

Jim, mesmo se

extraterrestres

penetrassem o seu

cérebro

não alcancariam

a sua alma

de portas abertas

para as multiplas
feces ocultas

da verdade

aposto que

fazias amor

sorrindo

como alguém que

conheci a muito

tempo

e teimo em

lembrar

sempre daquele
sorriso

deseperador

que virava

lágrimas depois

o que isso tem a

ver com você Jim?

é sempre

loucura

de não querer ver

tanto

mas entender

universos

a vida

embebedada

sabe tudo

anestesiada

e lembra na medida exata
 
 

cabelos de naylon, cabelos de boneca em olhos vívidos e companias estranhas. análise superficial.

 

vejo ele. sinto ele. não sinto. quero sentir. seria perfeito. não por ser certo desafio prazeroso, porque possível de vitória. e vai. vai. estranho. ele não sabe mais quem é. só duvida. e ela, estranha ela, para perto e subentende. já nem sei mais, ele perde o roteiro, eu penso em nada. se tivesse calor no corpo pensaria pele/cheiro/ele.

 
pensei que o teu desejo poderia sobrar para mim ao saber, enfim, da tua volta. em momento inoportuno, quando já esperava te ver esquecido. pobre burra, voltastes e eu fui de novo.
pedi horas por uma caneta pq precisava escrever algo que quando a caneta veio eu já tinha esquecido... mas preciso lembrar. algo como: mulheres que destroem com os sábados de seus namorados ou homens que preferem as putas por que no fim você paga e se fode menos do que com as ditas não putas. vejo casais que estão juntos sem amor, casais que parecem irmãos, pais, filhos, primos, amigos... vejo quase nunca casais que se beijam, se amassam, não vêem os outros em volta de seu mundo paralelo, alheios.
 

quero o desejo de te querer, para que minha vontade se prolongue além do conseguir

 

Os homens: mulheres!?

apesar de serem apenas costelas

do finado Adão,

seria monótono sem elas;

e, afinal, quem precisa de treze

costelas?

As mulheres: homens?!

é claro que você pode viver sem

eles,

mas será que valerá a pena?

Algumas noites de inverno são

tão frias...

 

Sinto ciúmes, mesmo tendo sido avisada por mim mesma que seria inevitável que eu sentisse se me envolvesse rápido demais com ele sem dever. Presumindo-me inteligente e perspicaz não posso me enganar e fingir surpresa. Caio no erro de acreditar ser possível reverter a situação. Armadilha exposta - meus nervos retesados em corpo alerta. Caminho inevitável ao que ele me leva. Despretensiosa e irresponsável é a sua forma de agir comigo. Não sabe os riscos que corre - que eu gostaria que acontecessem - de que venha a me querer mais do que supunha necessário e abra mão do que não é mais nada além de dor, possessão e melancolia.

 

batom na boca

beijo na bunda

até segunda sigo

teus passos picaretas

nas pedras da calçada

dá em nada

minha busca

infecunda

nos teus testículos

stéreos monopolizantes

te sigo como seguem os viajantes

dos teus orgasmos

cósmicos e mutantes

quero apenas tocar meu bumbo

e ir adiante

 

 

 

O CÂNCER TÁ NA CARNE
 

TODAS AS LOIRAS FALSAS E AS MORENAS FALSAS E AS MULATAS FALSAS DE SOL REBOLAM IGUAL AS MULHERES NATURAIS

A AUTENTICIDADE É O DESEJO DE SER

NOSSA IMUNIDADE INTELECTUAL CALA-SE BOQUIABERTA DIANTE DA CRUEZA BRUTAL DA REALIDADE

APONTE O PROBLEMA NÃO SABEMOS A RESPOSTA

ATÉ O HOMEM MAIS SÁBIO MAIS EXPERIENTE PERDE-SE CONFUNDE-SE QUANDO POSTO DE FRENTE COM AS SUAS EMOÇÕES MAIS PRIMITIVAS

TODA A COMPREENSÃO TEM LIMITE

DETESTAMOS RÓTULOS MAS A BUSCA POR IDENTIFICAÇÃO TORNA TODOS DIFERENTEMENTE IGUAIS MATILHA SEM GRAÇA DE CÃES SEM RAÇA

A ARTIFICIALIDADE TAMBÉM É CAOS

E COMENTAMOS TODO DIA AS COISAS ACONTECIDAS E VISTAS E OUVIDAS EM ALGUM LUGAR SEM TERMOS CERTEZA DA VERDADE

O REAL NOS É ABSTRATO

O CÂNCER TÁ NA CARA

 
Paradoxo
 
na sucessão
de mortes e nascimentos
que é a vida
vestimos luto
para ir a festas
no fim dos cortejos
fazemos amor

 

Assim sendo eu digo apenas
que a pena é desgraçada e não vale nada
 

eu ele ela desconcerto descaso desrespeito ao acaso do caso

remorso fade out volta fusão

continues sem fim neste videogame absurdo

 

Não quero jogar dominó. É chato encaixar números, formar labirintos. Não quero ter que adivinhar os números que faltam. Não quero jogar general. Não quero ter que apostar na minha sorte e no azar dos outros, muito menos desistir de certas jogadas porque não consegui da 1 ª vez. Não quero jogar. Quero tocar os meus dardos e acertar os alvos da mente e da matéria. Não quero apostar. Não quero jogar porque não quero perder. Não sei.

Não quero ler seus olhos e analisar o que pensas com o olhar frio de tubarão branco. Não quero ser o seu juiz nem o seu destino. Vai como quem veio, sem avisar. Cause surpresa, vomito no óbvio. Te prevejo a cada passo e me canso disto. Desejo não ter vindo. Quisera que fosse diferente, tipo, te querer e não saber se rola, mesmo tu já me querendo, não te dá como nada. Não te quero como esmola. Te quero fortuna. Ou não vem que não tem.

- Ô meu, me empresta o fogo?

Fogo não se empresta, ou se dá ou se tem. Estas coisas não se passam assim, não se aprende. Ou sua alma é ou fica pra outra vez. Outra encarnação. A geração espontânea não existe. Ô meu, me dá o fogo. Te dou todo, mas cuidado. Certamente te queimarei algum dia. Cicatrizes de fogo não são bonitas, deformam o corpo, marcam a alma.

Porque a morbidez? Hoje é dia de festa e comemoração? Quero a chuva para lavar a minha alma e levar embora o que eu não quero em mim. Mas esquecer é impossível.

"Alguém que você gostaria que estivesse sempre com você..." Isto existe durante algum tempo. Como prolongar esta sensação de paixão, amor e necessidade. Como prolongar o prazer? Quero a minha ingenuidade de volta. Aquela que me fazia acreditar que poderia durar para sempre. Agora, estar apaixonda me deixa imediatamente melancólica porque sei que não vai durar. Que um dia te verei e não será + tão bom. E já não desejarei fazer amor contigo a toda hora e me sentirei cansada e minha vontade será de partir e a palavra amor ao ser pronunciada soará amarga e cheia de adeus. O lobo não tem consciência da cruledade da morte da preza. É alimento, é instinto, é a vida. O amor é lindo, a vida é cruel, o tempo é implacável, o fim é inevitável.