Raul saiu do bar pensando em tudo isso, em Carl Perkins e seus sapatos azuis, no programa sem graça do Chico Anísio, em quanto ainda restava do seu cérebro. Quanto?
Uma luz forte surgiu na sua frente. Luzes verdes e amarelas. Um som estridente e alucinante em seus ouvidos. Um solo do Slayer. Guitarras do inferno. Tridentes. Pentagramas. Raul desmaiou. Quando acordou, com a visão ainda embaçada, enxergou um homem na sua frente. Era Elvis. Elvis falou, em inglês, é óbvio, mas eu transcrevo em português, porque o meu inglês é um pouquinho melhor que o do Scarface do Al Pacino:
- Raul, acorda! Acorda, cara!
- E-e-e-elvis ... é você mesmo. Cara?
- Claro!
- Onde é que eu tô?
- Não ti preocupa. Nós tamo numa nave espacial. Voando para Júpiter.
- Pra Júpiter. Por que Júpiter?
- Seilá, cara, pergunta praqueles dois, ali, ó! Apontando o dedo para dois macacos com roupas militares.
- Quem são eles?
- Um é o Charlton. O outro é o Heston. Eles vieram nos salvar do apocalipse.
- Apocalipse, que merda. E eu nem fechei a conta no bar. Mas, me diz, por que nós?
- Eu não sei. Não sei nem quem enterraram no meu lugar. Acho que foi o Paul.
- Que Paul? O McCartney?
- Ah, deixa de ser burro, Raul. O Paul morreu, aquele cara que tá lá agora é um robô fabricado na Turquia por uma empresa alemã. Não vê que ele só grava merda?
- É, depois da trilha do James Bond tudo é possível.
- Ih, o Marlon Brando, também.
- Morreu?
- Claro, aquele gordo é o verdadeiro Corleone. Marlon Brando foi assassinado pelo Charles Mason e a mãe do Axl Rose num ritual satânico numa cidadezinha da Georgia.
- Putz, que lixo, cara.
- E eu fiquei, aqui, com esses caras, faz mais de dez anos. Minha mulher tá lá, ganhando grana a dar com pau. Vendendo tudo que é meu. Mas, tudo bem, roquenrol forever.
- E o John?
- O John morreu. E foi um plano da CIA. Eles mataram ele só prá desviar a atenção de um acidente nuclear no Novo México.
- Puta merda, cara.
- É, mataram duas mil pessoas, incluindo dois brasileiros.
- Quem?
- Um deles era o Brizola, o outro eu não sei.
- Mas o Brizola é candidato a presidente. Tá vivo.
- Ãhn, será que eu me enganei? Não! É isso! Me lembrei. O Brizola sobreviveu ao teste nuclear. Deixaram ele sair de lá só prá ver os efeitos da radiação. Dizem que ele tem o biotipo ideal de sobrevivente de ataques nucleares.
- Mas eu li que só as baratas sobrevivem.
- Ei, Charlton, falou Elvis para um dos macacos, quando chegaremos em Júpiter?
- Não interessa!, respondeu o macaco largando um urro e chutando o traseiro de Elvis com toda força. E senta ali, disse apontando para uma almofada de centro de sala com desenhos geométricos, imitações baratas da cultura tolteca. Ou asteca. Tanto faz.
Elvis sentou e calou a boca, Raul, amarrado numa cama branca no centro da nave, espirrou, e não conseguia limpar o nariz.
- Ei, limpem meu nariz.
- Calaboca, humano. Agora você vai ser usado, como todos os outros humanos, falou Heston. Sua mente nos interessa para descobrirmos como vocês pensam.
Arregaçou a manga da camisa de Raul e, usando um enorme agulhão, injetou um líquido laranja na sua veia.
- O que é isso?
- Tang.
- Não tem Pepsi?, perguntou Raul, antes de apagar.
O corpo de Raul não serviu para nada. O jogaram de volta, dois meses depois, no mesmo lugar onde o tinham capturado. Um mês antes, Raul tinha morrido. Dois corpos tinham ocupado o mesmo espaço-tempo. Elvis dormia em um canto de sala num apartamento da periferia de São Paulo. Foi enterrado como indigente. Raul abduzido, não o morto, foi visto embarcando em um ônibus para Campinas. Dizem que dá aulas de Química para vestibulandos. Charlton continua amando Heston. Os dois explodiram a nave espacial e abriram um restaurante temático para homossexuais (putos, bixas, fronhas, agasalha-croquetes, fritadores de sonhos, padeiros novos, bundeadores, etc.) no interior do Paraná. E Brizola continua correspondendo às expectativas dos cientistas norte-americanos. Sem prazo de validade.
E o apocalipse? Seilá, cara! Se o mundo acabar,
que me interessa quando? Desde que me deixem os meus discos do Nirvana,
o disquemem da Sony e uma caixa de Amor Carioca, o resto que se dane. Inclusive
vocês.
El Comanchero,
um ermitão que não tem a resposta para
nada. Nem quer ter.
crazyhorse@india.com