Eu, há dez anos atrás, estava em Porto Alegre mesmo. Cursava o terceiro ano do que antigamente se chamava segundo grau, lá no Padre Reus, e estava platonicamente apaixonado por minha coleguinha Iorana (ou Ionara; não sei se era esse mesmo o nome, sei que era esquisito). Antes dela, tinha sido a Patrícia Moresco (ou seria Tedesco?). Enfim: naquela época tudo era platônico, e eu mal sabia quem era Platão.
Há dez anos atrás eu tinha dezesseis anos. Já faz dez anos, mas é como se fosse ontem. É clichê dizer isso, eu sei, mas realmente parece fazer pouco tempo desde a minha adolescência. Se você levar em conta a minha atual imaturidade, a minha confusão mental e a minha falta de preparo para o que se chamaria uma “vida séria” (emprego, família, filhos e tal), eu realmente pareço ter pouco mais de dezesseis anos. Infelizmente, o meu rosto e meu couro cabeludo não estão de acordo.
Há dez anos atrás (é uma redundância, dizem os gramáticos, mas soa melhor) eu era tímido e escutava muito Talking Heads, The Cure e The Smiths. Aliás, minha vida social, quando não havia festas da turma, consistia em ficar em casa escutando discos dos Smiths. (“Sixteen, clumsy and shy / That’s the story of my life”). Ainda tenho os vinis. De vez em quando escuto.
Há dez anos atrás eu lia George Orwell, Dostoyevsky e Agatha Christie. Também Carl Sagan e Asimov. Jack London e Cortázar. Naquela época eu lia até mais do que hoje, mas muitos autores ainda estavam por conhecer.
Há dez anos atrás eu me apaixonava com grande freqüência e facilidade.
Há dez anos atrás eu ainda não havia comido ninguém.
Há dez anos atrás, convenhamos, eu era um completo idiota.
Mas eu também era um dos pioneiros da era digital no Brasil e tinha um TK 90X. Estava indeciso entre fazer Informática ou Publicidade. Fiz um teste vocacional que dizia que eu devia fazer Informática. Escolhi Publicidade.
Há dez anos atrás eu não sonhava em fazer cinema, ou quem sabe sonhava, mas só sonhava. Assisti “Ilha das Flores” pela primeira vez (foi há dez anos já?).
Há dez anos atrás o mundo ainda era um lugar totalmente desconhecido, e eu não entendia nada do que estava acontecendo, e recebia milhares de informações sobre drogas, idéias, sexo, comportamento e vida, informações demais para o meu limitado cérebro processar. Nesse sentido pouco mudou, pois ainda não entendo nada de coisa nenhuma; mas, de algum modo, o mundo lá fora perdeu a sua aura de novidade, de presente embalado ainda por abrir.
Há dez anos atrás eu era feliz e, ora vejam, não sabia. Aliás, acho até que tinha a plena convicção de que era infeliz. Mas vá saber.
De qualquer modo, há dez anos atrás eu achava que o ano 2000 estava longe pra caramba. Eu não conhecia a frase do Dr. Hodgkinson, e as décadas custavam a passar.
Há dez anos atrás, a vida era mais lenta.
Há dez anos atrás - suspiro - há dez anos atrás...
Saudade? Que nada. Como diz uma música do Legião, grupo que eu também escutava muito há dez, dez, dez - DEZ! - anos atrás:
E a nossa história não estará pelo avesso assim,
sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar...
E até lá, vamos viver
Temos tanto ainda por fazer
Não olhe pra trás, apenas começamos
O mundo começa agora
Uuhhhh-uuuh
Apenas começamos...
Tomás Creus
tomas@cpovo.net