Nem barraca eu tinha, desenrolava um cobertor e me esticava em qualquer lugar. Se fosse fácil, não tinha graça: o que valia a pena era a lenda. O universo inteiro se movimentando conforme o desejo momentâneo do meu pensamento mágico. Nada que um simples toque de uma varinha não resolva. Fome? Dê-lhe cachaça! Cansaço? Dê-lhe cachaça! Medo? Dê-lhe cachaça! Cachaça? Cachaça! E assim, quilômetros iam sendo engolidos, os dias chegavam azuis e as noites eram dormidas sem muito frio. As cidades daquele tempo abrigavam alguns remanescentes de um tipo de irmandade que se reconhecia pelo andar arrastado, rumo ao infinito, típico daqueles que não estão muito interessados em saber para onde vão. Simplesmente uma questão de limites: os limites estão onde os colocamos. Então, tudo o que se tem a fazer é não pensar muito nisso e seguir adiante. Próxima parada? Para onde a carona levar.
Mas logo, logo, o peso da realidade começa a se fazer sentir porque não se tem mais a garantia da asa protetora da família. O mundo dos fatos impõe a sua própria linguagem, e nela não há significado lógico para “o poder das varinhas”. Os carros passam e não param. Para onde ir, se não há carona?
Deixar que o destino mande na nossa vida é próprio
de um tempo que pertence a algum lugar encantado das nossas memórias.
Continuo desconfiando de que Adão foi expulso do paraíso
quando era adolescente. Marcado no inconsciente coletivo da humanidade
está o mito do rito de passagem, uma condensação da
época na qual já não somos mais crianças, mas
também ainda não somos adultos. É o tempo de começar
a aprender sozinho o que todo mundo passou a vida inteira tentando nos
ensinar; é o tempo de conhecer os limites que separam a lenda dos
fatos. E, pior do que isso, ter que decidir a escolha sozinho.
Ricardo Pegorini
pegorini@diamante.netmarket.com.br