- Não sei, Fernando e vê se lava direito esses pratos. Quero essa cozinha bem limpinha.
- Deixa de ser boba. Eu sempre deixo a cozinha limpa, respondeu Fernando limpando o queixo no avental branco com desenhos de flores vermelhas e bordado com os dizeres "para o papai, com amor".
O Papa chegaria às dez. Bateriam um papo. Jogariam conversa fora sobre a pobreza e o aborto e a aidis e o agaivê e sobre a violência na tevê e tudo isso que se passa no programa no Ratinho. Quanta ignorância. Precisamos educar nosso povo. Será que nunca vão aprender a apreciar uma boa peça de teatro ou uma ópera com o Maracanã lotado. Ê povinho de merda.
O Papa chegou no horário certo. Entrou sozinho e deixou a guarda pretoriana e foram comer um rango francês que eu me nego a pronunciar o nome. A conversa transcorreu tranqüila até a hora da sobremesa quando a escrava branca do Palácio voltou para a senzala e deixou o pessoal mais à vontade.
Dona Ruth cruzou os joelhos, tirou os sapatos e se acomodou
no sofá tomando uma garrafa de vinho francês no gargalo. Fernando
comia croquetes da sobra do almoço em um pratinho com desenhos do
Pato Donald. O Papa se levantou e botou um Sam Cooke no aparelho três
em um (eles são das antigas) e tirou a túnica. Embaixo dela
vestia calças pretas, botas de couro de bico fino e uma
camiseta de camelô com o desenho do selo SwanSong
do Led. Puxou uma seringa do bolso e perguntou para Ruth:
- Vaí uma herô, aí? Brown Sugar, baby! Com aquele sotaque inconfundível.
- Que é isso, Papa. Tá ficando maluco? Fernando esboçou uma reação de surpresa com aquelas suas feições de galã de propaganda de supermercado.
- É. É. Delirou dona Ruth, já bebaça.
- Não, cara, já cansei dessa vida. Dessa merda toda de viagens e porras e chefes de estados salafrários e seus medonhos planos de conquistas do universo. Desde do dia que encontrei o Fidel e nós fumamos um haxixe em um jardim do palácio do governo cubano decidi que me entregaria às drogas e às viagens sem retorno.
- O Fidel fuma haxixe?
- Claro, como é que tu acha que ele aguentou o tranco de largar o charuto? E aquela filha baranga dele? Tremenda puta de Miami. Vagaba de porta de hotel três estrelas.
- Puta merda. Exclamou Ruth, ou dona Ruth, ou seilá, que merda, qualquer coisa que vocês queiram chamá-la, não me interessa. Daqui por diante ela será Qualquer Coisa.
- Ei, mas e o futuro da igreja, o terceiro milênio, essa coisa toda?
- Larga dessa, Fernando. Terceiro milênio é pros trouxas. Jesus nasceu quatro anos antes do ano zero. Para os muçulmanos é mil trezentos e tanto e para os judeus cinco mil e cacetadas. Dá tudo na mesma merda. É como diz o Kadhafi: Fodam-se. Em árabe, é claro.
- Você falou com o Kadhafi?
- Claro. Numa reunião secreta em abril desse ano. Ele me mostrou suas novas armas químicas que vai vender para o Saddam jogar em Israel.
- Puta merda. Falou Qualquer Coisa deixando seus óculos caírem no chão coberto de peles de lontras marinhas das ilhas Sandwich.
- Onde foi a reunião?
- Foi no Líbano. Devia ver, cara. O Bill viajando de ácido com duas vagabundas judias boqueteando ele ao mesmo tempo. Ducaralho.
- O Bill numa reunião com o Kadhafi? O que mais falta você me dizer, Jotapê?
- Bem, Jotapê se aprumou na cadeira e continuou, O Kadhafi só começou a reunião depois que o Pierce Brosnam chegou com a Marlene Matos (não interessa se é com um ou dois tês, a mulher é um tesão de qualquer jeito...). Os dois chegaram se chupando e a Marlene lascou um linguão na boca da Thatcher e as duas foram para um quartinho no fundo do quartel-general fazer um fuquefuque gostoso. O Pierce Brosnam se aproveitou das judias do Bill e o Kadhafi e eu jogamos uma partida de sinuca enquanto ouvíamos o último do Beck.
- E depois?
- Depois nada. Voltei para Roma e fui dormir. Quié que você queria mais, hein? Sexo anal? O ACM? Não o ACM foi semana passada.
- O ACM?
- Puta merda! Puta merda!, repetiu Qualquer Coisa coçando o rabo e cheirando o dedo.
- Calaboca Ruth, berrou Fernado indignado, vai olhar soufiparqui na emitivi. Vai!
- O Antônio me prometeu.
- Prometeu o quê?
- Me prometeu que no dia do juízo final eu estarei ao lado dele.
- Sério?
- Tão sério e verdade quanto a conversa do John Lennon com o Raul Seixas.
- Mentira. O Raul nunca se encontrou com o Lennon. Foi com o Leno, ou com A Jane e o Herondi. Seilá, faz tanto tempo.
- Claro que se encontrou. Ele mesmo me falou.
- Ele quem? O senhor encontrou com o John Lennon?
- Senhor é a mãe! Que John Lennon, que nada. otário. Nessa época eu tava treinando prás Olimpíadas de Munique. Foi com o Raul.
- Com o Raul! Quem diria? Raul Seixas e Jotapê. E o Paulo?
- Que Paulo? Paulo sou eu, burro.
- O Paulo Coelho, babaca. O guru. O neomago da francesada ignóbil.
- Ah, o Paulinho caçapa, a gente só comeu ele depois do chá. Antes a gente falava do Café Filho.
- Café Filho? Que merda é essa?
- Seilá, vai perguntar pro Raul. Ele é que era fixado no Café Filho.
- Como é? Raul morreu.
Qualquer Coisa voltou nua para a sala e viu tudo. Jotapê abriu a geladeira e comeu todo o ioplé do Fernando. Chamou a guarda pretoriana e foram embora sem pagar a conta.
- Pô, Jotapê, pelo menos deixa a bagana.
- Não deixo não. Vai aprender a ser do primeiro mundo.
- Presidente de país de merda é foda. Vai sicatá, velho babão.
- Vai tu, que é mais peru.
- É, gol do Bangu. Bola na rede e paunoteucu.
- No teu!
- Ruth, vai ti vestir?
- Vonão, vonão.
Nisso entrou um esquadrão do Mossad armado até
os dentes e massacrou todo mundo, incluindo o pitibul do ACM que fica de
guarda no cofre do Banco Central. De trás dos arbustos, na frente
do palácio, Marco Maciel e Jô Soares jogavam restaum. Não
me perguntem por que o Diego Casagrande não estava lá. Eu
também queria saber.
El Comanchero
crazyhorse@india.com