A solução barbuda
de Kleber Boelter
Sou de uma geração que foi profundamente marcada pelos textos do Luís Fernando Veríssimo. Sua articulação consistente, sua linguagem fluída e sua fina ironia que às vezes descambava para o escracho, deram corpo e alma para muitas das palavras que carregávamos em pensamentos mas não tínhamos a capacidade de verbalizar.
Cresci em meio ao aguçado humor das cobras, me identifiquei com o delicioso vocabulário regionalista do Analista de Bagé, me diverti com o non-sense do Ed Mort, e refleti muito sobre as questões comportamentais, econômicas, políticas e sociais abordadas em suas crônicas, e que me acompanharam ao longo dos anos.
Mas enquanto crescia, aprendi muita coisa sobre a vida e as idiossincrasias da realidade. E principalmente sobre as pretensões em geral frustradas de nossos economistas e as boas intenções normalmente fraudulentas de nossos políticos. Descobri que os economistas exploram uma estranha indústria situada em algum lugar obscuro entre a quiromancia e o catastrofismo. E que sua contribuição positiva para a sociedade é inversamente proporcional a sua participação nos governos.
E descobri, apesar da aura de mágico com a qual eles se cobrem, que os políticos são tão humanos como todos nós, e geralmente um pouco mais, naquilo que o gênero humano tem de pior. Sua lógica primeira é tão pragmática e mesquinha quanto a de todos os mortais, pois se centra naquilo que mais lhe convem. E que sua queda para a esperteza em nada fica devendo à do povo aculturado no dogma de "levar vantagem em tudo". Com a diferença de que suas oportunidades de meter a mão no nosso dinheiro é bem maior.
Até aí, nenhuma novidade. Mas também aprendi, sobre tudo, a dar especial importância a dois fatores: à natureza humana e aos exemplos históricos. A natureza humana me ensinou que ver o homem como um ser solidário ou altruísta não é apenas um equívoco ou uma utopia ingênua: é uma temeridade. Hoje, é sabido que os crimes e assassinatos cometidos em nome das boas intenções superam em muito os praticados por banditismo. E que por isto mesmo, as maiores conquistas da civilização atendem pelos nomes de Estado de Direito (que nos defende da ditadura dos populistas salvadores) e os Direitos Individuais (que nos defende da ditadura das maiorias). Os exemplos históricos tiveram o mérito quase didático de apenas confirmar esta realidade.
Por isto, aceno a cabeça com certo pesar em concordância com a visão do Luis Fernando de que nossa elite fracassou miseravelmente na construção de um país mais justo. E fracassou não apenas por ganância ou descuido, mas também por estupidez: um país mais justo é, a longo prazo, um país melhor para as próprias elites. Se alguém duvida, basta olhar em torno e ver que os alarmes eletrônicos, os portões de ferro, os carros blindados e os guarda-costas não estão mais resolvendo.
Mas entro em pânico quando vejo ele divulgar, com todo o poder de sua notoriedade e o espaço que a mídia lhe fornece, a ilusão de uma solução barbuda. E não por preconceito ou ignorância, mas exatamente pelos dois fatores que salientei: a natureza humana e os exemplos históricos. Com a importante diferença de que, agora, os exemplos históricos não são mais abstrações russas, cubanas ou alemãs orientais. Elas estão aqui, no Rio Grande do Sul, suficientemente perto e vivas para que ninguém cometa o mesmo equívoco de um Fernando Collor. Só que no extremo oposto.