Não, eu não escrevo mais pro Não. Todo mundo me cobra (na verdade foram duas pessoas, quase uma multidão), mas eu simplesmente não consigo mais sentar na frente do computador e pensar algo tão objetivo ou tão pouco objetivo como "tenho que escrever pro Não".
Os leitores devem estar fazendo greve de fome. A linha editorial deve ter caído "uma barbaridade". A marcha inexorável da humanidade em direção ao socialismo certamente foi prejudicada. Mas o que é que eu posso fazer? Meus intermináveis momentos (e horas e noites) ao teclado têm sido divididos entre o absolutamente objetivo (leia-se trabalho, por sinal extremamente subjetivo) e a absoluta falta de objetividade (incluindo aí desde chats de sadomasoquismo até um campeonato mundial de freecell disputado aqui em casa, em que eu tirei segundo e terceiro lugar).
Ah, não, mas tem outra coisa: meus imêios, que andaram diminuindo em número e grau, mas que permanecem saindo com relativa facilidade. Como admiro cada vez mais (entre outras coisas) a sem-cerimônia com que o pessoal do COL joga suas reflexões pessoais via Internet pra uma comunidade incalculavelmente diversificada (talvez porque, como diria o Álvaro, isso me lembre do Não de tempos atrás, "de cujo projeto eu nunca consegui me afastar"), resolvi então radicalizar.
Empurrado por uma cobrança de última hora da Luli ("tu não vai mesmo escrever nada pra esse número?"), tropecei numa pilha de mensagens enviadas, cheias de letras e sinais de pontuação - não sei se vocês já notaram, mas eu adoro me exibir com parênteses, travessões e ponto-e-vírgulas. Selecionei algumas, dentre as 208 enviadas nos últimos 3 meses (fora as que já tinham sido apagadas, é claro) e pincei alguns parágrafos que me divertiram, ou coisa parecida. Não pensei em pedir autorização aos destinatários, mas desde já agradeço a sua existência - sem vocês, esta minha "matéria" pro Não não teria saído.
Claro que as mensagens não têm
nada a ver umas com as outras. Mas, levando-se em consideração
a velha proposta dadaísta e o fato de que nada parece mais dada
que a Internet, talvez elas, quem sabe, ao serem colocadas em seqüência,
façam algum sentido. Ao menos pros leitores do Não.
Maiakovski. Conheço pouco e, do pouco
que conheço, gosto muito. Na época do Movimento Estudantil
era assim uma espécie de ícone, todo mundo falava nele mas
acho que a maioria não conhecia de verdade. Lembro de "em mim a
anatomia ficou louca", de "O Amor" musicado pelo Caetano e cantado pela
Gal (e que eu, durante algum tempo, usei como canção de ninar
pros meus filhos), do "come ananás, mastiga perdiz, teu dia vai
chegar" e, assim de memória, acho que mais nada. Enfim, puxa, adoraria
ler a tua peça. O que fizeste com ela? Foi encenada?
pro Zeca Kiechaloski 31/08/99
Ótimo o texto sobre o passado da TV. É pra ser publicado domingo que vem? Porque o desta semana bateu de frente na minha ignorância televisiva. Confesso que nunca tinha ouvido falar em Astrid Fontenelle. Ou melhor: claro que já ouvi este nome, mas se tivesse que marcar: (a) socialite carioca; (b) tenista italiana; (c) coordenadora regional do "Comunidade Solidária" no Espírito Santo; (d) restauranteuse (é assim que se escreve?) paulista; (e) apresentadora da MTV - juro que a opção "e" seria minha última escolha.
Mas, nessas coisas de passado, às vezes
eu tenho dúvidas: será que a televisão d'antanho era
mesmo melhor, ou era só a gente que era mais moço?
pra Carolina Cimenti 30/08/99
"Escrita de macaco" seria uma tradução bastante livre para o termo grego "monografia". Bobaaaagem...
Em Gramado, dos três filmes brasileiros
concorrendo, dois eram documentários, ou coisa parecida: SANTO FORTE,
do Eduardo Coutinho (o mesmo de CABRA MARCADO PARA MORRER, O FIO DA MEMÓRIA,
BOCA DE LIXO, etc.) e NÓS QUE AQUI ESTAMOS POR VÓS ESPERAMOS,
do Marcelo Masagão (até então conhecido apenas como
"inventor" do Festival do Minuto). Eu acho que uma comparação
entre os dois filmes, suas propostas documentaristas e uma discussão
sobre o conceito de documentário hoje seria um tema interessantíssimo
- mas não sei se cabe no âmbito de uma monografia (talvez
uma orangotangologia), ou se tu terias como assistir aos dois filmes, ou
se o assunto te interessa.
pro Leonardo Melo 26/07/99
(sobre "Meu amigo Charlie Brown", do Benito di Paula)
Era o paradigma do entreguismo, do turismo sexual pseudo-sofisticado, vejam estrangeiros (e norte-americanos em particular) como as nossas bucetas estão à disposição, é só pagar bem e nos dar uns espelhinhos em troca - no caso, um passaporte pra entrada no mercado internacional do pó e do informatiquês, quem sabe até uma renegociaçãozinha nos juros da dívida externa. Em resumo: vocês nos mandam lixo e nós entregamos o que podemos oferecer: natureza, alegria de selvagens domesticados e idiotas, sexo seguro, sem complicações e sem ter que conversar depois.
Claro que tu vai dizer que o Benito di Paula não tinha essa bola toda - faltava-lhe cultura pra ser fascista. Mas, independentemente dele, a música terminou virando, por uns dez anos, a "marca" do "Brasil for export" e o Benito o nosso embaixador brega (claro que pra um público brega que não aceitaria o Nelson Ned por ser brega demais).
Claro que, hoje em dia, temos o breganejo, a bunda-music virou nosso principal produto de exportação, a classe média brasileira já não cabe mais em Miami e o que não falta são embaixadores da breguice entreguista collorida fernandohenriquista.
E claro que o Schultz e o personagem dele não
têm nada com isso. Mas Charlie Brown é dose!
pra Marina Person 21/07/99
Muito tempo atrás, em 1981, passei uns dias em São Paulo, na casa de um amigo, que morava com outros caras. No quarto de um desses caras, encontrei um original datilografado de uma tradução de uma peça do Peter Weiss chamada "Trotsky no exílio". Terminei lendo o texto em uma noite e fiquei bastante impressionado com a estrutura, com a qualidade dos diálogos. Pra você ter uma idéia, sou capaz de reproduzir trechos inteiros do diálogo, apesar de nunca mais ter tocado no texto.
O que você tem a ver com isso? É
que a tradução era do teu pai. Lembro porque foi uma surpresa:
na época, eu só conhecia o nome dele como cineasta, São
Paulo S.A., Irmãos Naves, Cassy Jones. Não tinha a menor
idéia da ligação dele com teatro, Antunes Filho, etc.
Então? Você conhece este texto? Sabe se chegou a ser publicado?
Ou encenado? Tinha muita vontade de reler este "Trotsky no exílio",
até porque, hoje, tenho uma idéia de Trotsky bem diferente
da que eu tinha em 1981. Será que a Regina tem informações
sobre isso?
pra Clélia Bessa 14/07/99
Que Itaú? Que Bradesco? Que Bamerindus? Não vem ao caso. O que importa é que o Banco outro aquele lá - qual era mesmo o nome dele? - dá trinta dias de prazo no cartão, sem juros nem perjúrio. Quando ouço falar de institutos culturais vinculados a instituições financeiras, e com incentivos fiscais, me dá vontade de sacar, ponto.
Onde saiu o resultado? Tem certeza? Quem te
falou? Olha que se você estiver enganada ou mal-informada ou mal-intencionada,
e se "O Povo e o em nome do povo" (nome enrolado esse, né? eu adoro!)
tiver sido selecionado, eu nego tudo que disse no parágrafo acima.
Zé Celso é cafajeste! Glauber foi cafajeste! Cafajestemo-nos
pois.
pra Angélica Santos 12/07/99
Terá sido um engano do provedor? Alguém encontrou no lixo virtual do espaço virtual uma mensagem virtual para uma sessão virtual de um filme com um espectador virtual que não foi e duas crianças virtuais que ficaram em casa, tudo engendrado por uma amiga não-virtual que se propunha a um pequeno sacrifício para ajudar o amigo a rever um filme que ele queria rever - e, na falta de resposta, resolveu enviar de novo a mensagem, sem ter tido o cuidado de checar as datas? Aguardo explicações.
Na falta de uma resposta conveniente, considerarei
a possibilidade de um duelo de e-mails, a 2 quadras e meia de distância,
teclados e mouse a escolher, padrinhos definidos pelo desafiado, dentre
uma lista previamente acertada de veranistas de Cidreira ou Tramandaí.
pra Dedé Ribeiro 12/07/99
E o Cau, hein? Que tristeza...
pra Anna Maria Azevedo 09/07/99
Antonio Molina está em Porto Alegre,
dando umas oficinas. Na terça-feira de manhã, fui participar
de uma entrevista com ele, na TVE. Cheguei em cima da hora, quando a gravação
já estava começando, então mal pude cumprimentá-lo.
Mas, na saída, com um pouco mais de tempo, fomos nos apresentar.
Ele me disse: "tenho uma aluna que te conhece, Ana Azevedo." Imediatamente,
três pessoas que estavam em volta intervieram: "é a mulher
dele!" "é casada com ele!" "é a mãe dos filhos dele".
O Molina, claro, não entendeu nada. (Deixa eu dizer que a Ana LUIZA
Azevedo trabalhou anos aqui na TVE, todo mundo dentro do estúdio
conhece ela.) Mas ficou ainda mais engraçado quando eu tentei explicar:
"não, gente, é outra Ana Azevedo". Quase me mataram. Não
deu tempo nem pra dizer que o teu "Anna" tem dois enes. O Diego de Godoy,
que também estava na entrevista, me disse baixinho, na saída:
"Eu sabia que você era canalha, mas não tanto!" E agora?
pro Nelson Franco Jobim 08/07/99
Uma das coisas legais que o Não tem
(e isso vem do seu antecessor em papel) é a possibilidade de escrever
sobre qualquer coisa que nos der vontade. Eu, na verdade, tenho escrito
pouco, porque ando meio paranóico com a quantidade de compromissos
que acumulei nos últimos tempos - e tenho tentado descarregar via
correio eletrônico. O centro do Não é Porto Alegre,
claro, mas você conhece melhor que eu a dificuldade de Porto Alegre
se sentir "real" além-fronteiras. Por isso, as vozes distantes não
apenas "fazem sentido", mas "formam o sentido" do Não. Raciocinando
"ao absurdo", diria que, no dia em que todos os portoalegrenses "exilados"
resolvessem escrever pro Não ao mesmo tempo (sobre qualquer coisa,
repito), o Não teria finalmente cumprido o seu papel.
pra Lúcia Murat 08/07/99
(sobre a notícia "Produtores de TV fundam Associação Nacional", e porque ela tinha, na mensagem anterior, me chamado de "gaúcho impedernido")
Sem sacanagem, tenho vários amigos aí
nesse bolo. Mas, ou eu muito me engano, ou essa Associação
Nacional não tem um único representante da "Grande Paraíba"
(aquela região do Brasil que se estende da Gávea pro sul
e do Catete pro norte). Saudações flamenguistas.
pra Rochele Bagatini 05/07/99
(sobre a finalização do super-8 dela)
Ah, que saudade do tempo em que não
existia internet, nem celular, nem 021 + 51 ou 31 ou quem sabe 61 que faz
um preço especial só até sábado, ou 9090 se
for a cobrar a não ser nas segundas-feiras, mas pelo menos um rolinho
de super-8 era revelado e voltava em 48 horas, e uma banda sonora era colocada
na tua frente pelo Ricardo Osório, num apartamento na Cristóvão
Colombo.
pra Bia Werther 27/06/99
Coloquei 1929 como poderia ter colocado qualquer outro ano, mas é que 29 é um marco, é o momento em que o cinema passou a ser "oficialmente" falado, além de ter acontecido a quebra da bolsa de Nova York, que acabou com a economia americana mas, contraditoriamente ou não, elevou aos céus a economia cinematográfica americana.
O que eu chamei de "Dogma 1929" seria o cinema
que passou a ser feito a partir daí, sempre igual, buscando o gosto
médio do público, rejeitando qualquer inovação
para depois absorvê-la como grife, 5 anos mais tarde.
pro Roberto Tietzmann 24/06/99
(sobre uma entrevista com o editor do "Phantom menace")
Valeu mesmo a dica! Foi fundamental ter lido essa matéria. Agora o problema é: o que é que a gente faz com essas informações? Às vezes dá vontade de sentar num cantinho e chorar. Ou migrar pra Los Angeles pra trabalhar como faxineiro dos caras. Ou reinventar a "Câmara na mão e idéia na cabeça". Ou tudo ao mesmo tempo.