Mysstêr Eme, Tchan e Ratinho
de Márcia Dienstmann
Quinta-feira de noite é uma tragédia em termos televisivos. Pelo menos para quem não tem TV a cabo no quarto, e o único aparelho conectado às maravilhas do mundo está sendo utilizado pelo pai para ver o jogo do Palmeiras. É a minha desculpa para começar essa reflexão, parecendo querer fugir da culpa.
Mas é a mais pura verdade e, por mais que eu tente justificar, não adianta floreios: eu fui ver o Programa do Ratinho. Ok, estava "zapeando" apenas, mas parei lá. O grupo de pagode-samba-axé (ou qualquer coisa parecida) É o Tchan estava dando notas a personalidades, numa espécie de queimação pública promovida pelo Show de Horrores Ratinho Club. Queimação porque as notas dadas são zero, cinco e dez. Quem recebe dez, logo é desvendado, sem nenhuma preparação mais especial. O nota cinco é um pouquinho mais saboreado, mas, mesmo assim, não é muito festejada a sua revelação. Mas, meus amigos... o nota zero! Atenção! Rufam os tambores e... tchan, tchan, tchan, tchan: a última das criaturas é criticada pelo Deus em ocasião (na minha noite, o Tchan na selva, depois de uma passadinha pela, pelo... NÃO importa!).
Uma das dançarinas, a Sheila... ah, as duas que formam a dupla de um par de duas chamam-se Sheilas. Anyway, a loirinha deu zero para o senhor dos sortilégios, o vitaminado, fashion, básico, necessário e absoluto... tchan, tchan, tchan, tchan... Mysstêr Eme!!! A explicação da nova loira do tiã foi a seguinte: "eu, como criança inocente, gostava de mágicas. O Mysstêr Eme acabou com a inocência das crianças ao revelar os truques. Meus filhos não vão achar graça em mágica". Bela observação. Preciso admitir que ela fez um bonito discurso. Mas de cuecas. Ou de calcinhas. Ou pelada. O Tchan NÃO tem moral para falar em "degeneração de mentes infantis". Depois de dadas as notas, músicas falando em "roçar tromba de elefante" e "segurar o tchan", tudo com direito a coreografia de duas mulheres semi-nuas esfregando a genitália na câmera, passaram para todo o Brasil. Dez da noite. Em TV aberta.
Músicas devem falar em sexo. Mas quer falar pau? Fala pau, NÃO "tchan", ou "pinto". Quer falar em trepar? Fala transar, trepar, foder, NÃO "relaiiiiixa senão não encaiiiiiiixa". Puta que pariu! É uma espécie de censura burra, que permite a esses grupos interpretar o que quiserem, sem que sejam recriminados. Pelo contrário: muitos pais compram para suas filhas roupinhas (mínimas, mas roupinhas), sandálias, discos, tudo, tudo, tudo que esteja relacionado ao bunda-lelê music. Alguém pode querer argumentar que os pagodeiros não se dirigem ao público infantil. E eu respondo, carinhosamente: vai à merda, ô otário! Grupos dirigidos a pessoas de personalidade já formada NÃO trazem álbum de figurinhas em gibi do Cascão; NÃO vendem sandálias (pelo menos de números inferiores a 30); NÃO participam do Show do Intervalo; NÃO gravam especial de Natal com a Xuxa e NÃO aparecem em propaganda das lojas Americanas. Todos os grupos de pagode fazem tudo isso e mais.
Viva o Tio Tony, mágico de verdade, ídolo, que foi no Palácio da Polícia registrar queixa contra o Mysstêr Eme. Porrada na cara da Sheila, da outra Sheila, do Tchan todo, que, nessa mesma noite, deu nota dez ao ACM. A explicação revelou um motivo muito nobre: "Ele é baiano!"... Ah, bom, assim sim... sim?!? NÃO, NÃO, NÃO e NÃO! Estimu-lar a sexualidade em uma criança de quatro anos de idade como quem não quer nada é deplorável. Elogiar o ACM não fica muito atrás.