Nitroglicerina
de Clara Averbuck
Eu disse que ele poderia ir, se quisesse. Que poderia simplesmente virar as costas, sair pela porta ou pela janela e nunca mais voltar. Eu disse que nada faria para impedi-lo, pois sentia o ácido que escorria dos meus poros naquele momento. Lua nos olhos, sol inchando na garganta, nitroglicerina nas veias. O planeta gira, tudo se repete, voltas em torno de mim mesma, faísca nos pés, cada vez mais perto do centro da terra. E eu disse que ele poderia ir, se quisesse. É assim, todos correm quando começa. Disse que poderia ir, mas deixando floquinhos dele espalhados por mim. Deixando algum suor, algumas lágrimas, alguma porra e todos os pensamentos para que eu pudesse dissolvê-los em minhas poções.
Eu disse que ele poderia ir, mas ele não foi. Ele escolheu ficar, sabendo que iria se queimar, sabendo que eu pulsava e latejava e poderia transbordar a qualquer momento. Sabendo que teria de ser meu rei e meu escravo, que teria que iluminar minhas frestas e coexistir com minhas sombras, que teria de se deixar devorar por minhas carnes e idéias, e manter-se virgem e puro. Ele ficou, pronto vestir seu colete de dinamites e explodir junto comigo.