Sobre "A Solução Barbuda".
Concordo com quase tudo que o Kleber Boelter escreve antes do último parágrafo, quando ele saca da cartola uma conclusão em nada baseada em seus próprios argumentos.
Os arames farpados e cercas que cobrem as fachadas das grandes cidades são resultado de décadas de concentração de renda e exclusão social patrocinadas e mantidas pela mesma elite que continua no poder, o ACM de sempre, o Marco Maciel de sempre, o Sarney, o Maluf, o Delfim Netto, do PMDB, PFL e PPB, todos de sempre. São eles que estão no poder há pelo menos 35 anos. O autor parece concordar com isso mas não entende que Luis Fernando Veríssimo apóie o Lula, a principal oposição, nos últimos 20 anos, aos senhores de sempre.
As referências a Cuba, Rússia e Alemanha Oriental fazem parte do kit-preconceito que associa qualquer governo que busque diminuir desigualdades sociais ao falido projeto da ditadura militarista soviética. Pensei que nem se usava mais.
A referência ao governo Olívio, que também não se apóia em nenhum dos argumentos do texto, nega ser preconceituosa invocando o conhecimento da "natureza humana". Não entendi. O autor parece ser de tal maneira vítima do consenso fabricado pela mídia que nem considera a hipótese de Olívio estar fazendo exatamente o que prometeu na campanha que o elegeu: inverter prioridades de investimento do estado, privatizado em favor das elites de sempre no governo dos seus partidos (os mesmos que sustentam FHC).
O fracasso do governo Britto, que endividou e empobreceu o estado enquanto batia o recorde nacional de gastos em publicidade, o aprofundamento das desigualdades sociais em todo o mundo, conseqüência direta da fé ingênua - ou mal intencionada - na capacidade do mercado de regular as relações sociais (a falência do modelo liberal é agora reconhecida publicamente por faces escanhoadas como as dos presidentes do FMI e do Banco Mundial) deixou órfãos de argumentos os que sonham com um estado sem povo, comandado por um filho da elite qualquer, de preferência branco e sem barba. Parece que a bola da vez, talhada para mudar tudo deixando tudo exatamente como está, é Ciro Gomes. É bom lembrar que foi ele quem conduziu a desastrada abertura do mercado brasileiro às empresas estrangeiras quando era ministro de Itamar.
A frase final do texto de Kleber é uma jóia rara da inversão de raciocínio: alerta para o perigo de eleger o Lula, esperando "que ninguém cometa o mesmo equívoco de um Fernando Collor. Só que no extremo oposto". Pouca coisa me daria mais prazer que eleger o extremo oposto de Fernando Collor. Se eu não me engano, a polarização na campanha de 89 era entre o PT de Lula e os que apoiavam a privatização do estado para sanear as dívidas públicas e investir em programas sociais, a abertura total do país aos produtos estrangeiros e juravam combater à corrupção. Estes estavam com Collor e continuam com FHC. Venderam o patrimônio público para meia dúzia e a dívida e a desigualdade social só aumentaram. Escancararam o mercado e o resultado foi desemprego e recessão. (Aqui. Nos Estados Unidos vai tudo muito bem, obrigado.) A corrupção nunca foi tão deslavada (se bem que, se medirmos a corrupção em valores financeiros, perto do que se veria no governo FHC, Collor foi uma freira). Mas Kleber alerta para o perigo de votar no Lula: olha o que aconteceu no governo Collor! Parece que chegou o tempo de sentar na vaca para tirar leite do banquinho.
Sobre "Itamar Quer O Fim Da Lei Da Gravidade".
Esclareço que Gustavo Fernandes, o autor, com "s", não é Gustavo Fernandez, com "z", o roteirista de Anahy de las Missiones, também colaborador do Não. Este, eu tenho certeza, não usaria o surrado trocadilho Karl-Irmãos Marx nem acabaria um texto com reticências sem corar. A idéia de que Itamar é um Quixote enlouquecido é, além de outro clichê enfiado pela mídia goela dos incautos abaixo, um desrespeito à inteligência dos mineiros que o elegeram. Sugiro a leitura do site "Oficina de Informações", está no Não Recomenda, para ter uma visão um pouco menos rasa da situação em Minas. Gustavo estende a velha piada "revogar a lei da gravidade" por intermináveis parágrafos. O Não, que eu saiba, é um bom veículo para expressar opiniões que não encontram outro espaço. É triste que seja usado para fazer coro ao raciocínio simplista da grande imprensa.
Sobre "A Voz da Ana Paula Arosio".
Daniel Peccini informa que acha a moça muito bonita e que "com
a abertura da telefonia no Brasil todos nós brasileiros ficamos
conhecendo melhor como funcionam as nossas contas telefônicas
e como é feito o cálculo". Bem, ele e a torcida do Oxigênio
Futebol Clube acham a moça muito bonita mas eu, que sou brasileiro,
ainda não sei se é mais barato ligar para o Rio pelo 21 ou
pelo 51 (se é que ainda pode ligar pelo 51). E acho que tomar Frangélico
ouvindo a trilha do Blade Runner tornaria o fim do mundo um alívio.
Sobre "Esperança".
O ótimo texto conta a tentativa frustrada de assistir Brasil e Argentina no Beira-Rio. Eduardo conclui querendo "sair daqui" para ser respeitado agora que foi "batizado, finalmente, brasileiro. Finalmente, sou um desassistido". Não sei a idade do autor para concluir se o seu súbito desencanto pelo Brasil é tardio ou precoce. Lembro da história de um colega de aula (acho que em 75, por aí) que viajou aos Estados Unidos e procurou lá um remédio que estava tomando aqui. Foi informado pelo farmacêutico que o tal remédio não tinha venda liberada, ainda estava "em teste na América do Sul". Sempre fomos cobaias, de planos econômicos, de remédios perigosos, de cantores com pose de revoltados, de filmes idiotas. Mas isso não é motivo para ir embora, afinal o terreno tem ótima localização, vista para o mar, vista consolidada. O jeito é incomodar os otários, vá que um dia eles se mudem todos para Miami dando-nos "o prazer da sua ausência".
Sobre Literatura Feminina e Outros Problemas Hormonais.
A editora reuniu sob o título "Romancias" uma série de
textos femininos que poderiam ser classificados (grosseiramente, admito)
do gênero "ontem de manhã você me disse". São
reflexões íntimas, confissões de alcova, desejos incompreendidos,
enfim, coisa de mulherzinha. Tudo muito bem escrito, tudo muito parecido,
e nada acontece. São basicamente cartas abertas aos amores perdidos
ou achados. Há quem se queixe do "amor maior que tudo" que "sugou
a minha essência", (ex-ência?? e não é piada?),
há quem se confesse "frágil e insegura diante de ti", há
quem busque "um homem culto e sensível, maduro e carente". Como
diriam Sá, Rodrix e Guarabira, "corta esse charme doente com uma
umbigada potente". O pessoal tá sem serviço na cozinha? A
roupa não acumulou no tanque? Não tá na hora de buscar
a criança na escola? Ou esse mulherio escreve algo que interesse
a mais de duas pessoas ou mande receitas de bolo. Pelo menos dá
para imprimir e guardar.