Teatro é coisa de esposa
de Daniel Peccini
Pela primeira vez na vida, e o porquê de ser a primeira vez não entra em questão agora, resolvi ir ao teatro. Por ser uma forma de arte até então desconhecida para mim, por ficar 7 horas numa fila e por ser apenas cinco reais. Achei que eram bons motivos. Acabei conhecendo um novo tipo de segmento social: as esposas.
Quando entrei na fila para comprar ingressos, já vi que a imensa maioria era composta de senhoras lá pelos seus 45, 50 anos ou mais e que não se importavam de permanecer lá de pé a espera da sua vez. Eu, do alto dos meus 24 anos, confesso que pensei em desistir algumas vezes.
Mas como elas não desistiam, eu não poderia ir dormir com esta dúvida na minha mente e ir tomar uma cerveja na esquina. Isso eu iria fazer depois.
Chegou a hora, Teatro São Pedro e lá estão elas: um batalhão de senhoras bem vestidas e que falam pelos cotovelos. Muitas se conhecem de outros lugares (eu imagino que sejam teatros) e comentam entre si as peripécias dos atores e as próprias também para chegarem até alí. Antes da peça começar, o cochicho é realmente grande e o sorriso é espontâneo com todas as rugas a mostra.
Mas o grande ponto de equilíbrio e que dá um charme todo especial as apresentações são os maridos destas senhoras. O ritual deve começar em casa. O cidadão chega do trabalho lá pelas 7 e meia da noite louco pra ver o jogo na televisão abre a porta de casa e logo de cara vê a mulher se aprontando e dizendo:
- Não esqueçe que hoje nós vamos ao teatro.
Ele pensa:
- Como assim nós?
O telefone toca. É uma amiga da esposa pedindo carona.
- Claro Lúcia, o Arnaldo passa aí pra te pegar.
Pronto. Está feita, ou melhor, acabada a noite tranquila de um marido.
A melhor parte é no ato em si, na hora do espetáculo. A mulher chegando no recinto conhece todo mundo e ele ninguém. Fica sentado lá escutando abobrinha e pensando quanto falta pra começar. A esperança é que apaguem logo as luzes para que, quem sabe, possa cochilar um pouco.Só é preciso tomar cuidado para não ser pego em flagrante dormindo quando a peça acabar e se acenderem as luzes. O ideal é sorrir, levantar e aplaudir como se tivesse adorado. Para fechar com chave de ouro é só dar um assovio, gritar "bravo" e olhar para esposa com um sorriso de quem adorou.