TIRANDO O LENÇO DO BOLSO
de Tomás Creus
O lenço começa a sair do bolso de José Aparecido Silva, 59 anos, viúvo, e no mesmo instante os olhares de Laura, 25, e Cláudio, 26, solteiros, se cruzam na rua, a doze quilômetros dali. E, ao mesmo tempo, mas num fuso horário diferente, a vários milhares de quilômetros, um general do Pentágono avança com o dedo em direção a um botão vermelho. Em Washington o dia está nublado. Na praça onde estão Laura e Cláudio faz sol, é um dia maravilhoso, e naquele primeiro olhar entre eles já há todo um prenúncio do que estará por vir. Ou não. O lenço continua saindo do bolso de José Aparecido, que está gripado e pretende assoar o nariz. E o general do Pentágono continua movendo o dedo em direção ao botão vermelho. Fucking bastards, ele pensa. Fucking fucking bastards. O general sofre do mal de Alzheimer, seu cérebro não o obedece mais. José Aparecido não sofre de Alzheimer, mas seu cérebro também não é mais o que era, e tirar o lenço do bolso é uma operação mais complicada do que parecia, a princípio, ser. Mas ele consegue, e lá vem vindo o lenço, rumo ao nariz. Laura e Cláudio continuam se olhando. Laura sorri. O dedo do general está a cinco centímetros do botão vermelho. Agora a quatro, agora a três. Cláudio sorri. O lenço de José Aparecido se aproxima de seu objetivo. O general aperta o botão. Fucking bastards, pensa. Laura e Cláudio caminham, um em direção ao outro, como dois mísseis teleguiados pelo calor. Fucking bastards, pensa o general. Fucking fucking bastards. José Aparecido assoa o nariz.