GERAÇÃO FAST-FOOD

por Ariela Boaventura

 

purr = ronronnement de chat

"Se o que Proust disse é verdade, que a felicidade é a ausência de febre, então eu nunca serei feliz. Porque estou possuída por uma febre pelo conhecimento, experiência e criação."

Sinto muito, mas é chato. Mais que chato: banal. E isso porque não paramos. A velocidade com que nos movimentamos, falamos, fazemos, fodemos, amamos, desamamos, desmamamos, pensamos, e outros amos, enfim, como se fosse um caleidoscópio existencial. Sem respirar: ofegantes, seguimos.

Ne dites pas j'ai perdu, mais dite: je suis perdu.

Talvez alguns de nós chegarão à velhice, outros conseguirão atingir os quarenta e poucos. Outros, quem sabe, ficarão por antes. O que tento expressar é a condição da nossa geração sem valores. Sim, mais uma vez toco nesse ponto. Não há como pensarmos numa vida como a dos nossos pais, que já foi meio caótica, rechada por divórcios, salvo alguns raros casos [de não-divórcio, não de "casos como aspas"].

Evidente que há exceções. E não sou nenhuma socióloga para ficar dando uma de Cuth Rardoso aqui.

As exceções são as classes mais baixas, que ainda estão presas a valores morais da geração anterior [ora bolas, não tenho índices, não tenho percentuais, isso é apenas opinião! ]. Eles se preocupam com comida, em Ter alguém, e fazer filhos com este alguém, manter a casa limpa e ver Faustão domingo. Veja: estou estereotipando apenas para dar uma idéia: estes padrões têm variáveis infinitas que me fogem e não vêm ao caso. Há o pessoal burgo alto, com padrões arraigados na tradição das famílias, que podem até já ter perdido o brasão, mas a empáfia é parte do sangue. Valores como sucesso financeiro, manter certas comodidades, repassar a tradição da família geração após geração, ter herdeiros dignos. É um exemplo, e é um exemplo cada vez mais raro atualmente. Tem ainda o pessoal mais tacanho, oito horas de trabalho por dia, ambições moderadas, como por exemplo comprar um carro novo, ou conseguir aumentar a casa da praia. É o pessoal burocrático, das duas horas de almoço, tícket-refeição e fins de semana de churrasco. Veja bem: não são exatamente estes objetos que fazem o padrão deste comportamento, mas a rotina: apenas o hábito das coisas sempre iguais. Poderia substituir o churrasco por macarrão ou rabada com aipim, por exemplo, daria no mesmo.

E há os marginais. Marginal, conforme o Aurélio, é algo ou alguém que vive à margem de. Que não se insere no padrão, seja este padrão o cartão-ponto ou a impossibilidade de inserção devido a certos desvios psicológicos, caráter aerado e sujeito a doenças que afetam a sociedade, ou vícios, ou ainda por razões econômicas. Não tenho competência para divagar sobre doenças mentais psicológicas, portanto, ao campo. Há marginais e marginais: os malditos. Estão embalados dentro dos que não se inserem no padrão, em que tem muito sujeito criativo, muito escritor, poeta, artista, músico. Não vou nomear exemplos. A marginalidade ou rebeldia acontece em qualquer geração. Os padrões podem inclusive ser genéticos. Mas a cultura se desenvolve, é um ser vivo que não aparece. E no tecido da cultura os marginais que pensam aquecem movimentos, influenciam comportamentos, inventam linguagem nova, estéticas esquisitas que futuramente serão copiadas quem sabe: é a vanguarda. A vanguarda não existe mais, conforme um historiador de arte muito respeitado, Frederico Morais, ex-curador da I Bienal de Artes Visuais do Mercosul. Ele quis dizer que não pode existir vanguarda de bricolage, ou vanguarda pós-moderna: uma estética que gruda um pouco de por exemplo dadaísmo, art-pop e Falcão, com detalhes piercinguianos à Galisteu. Isso não é arte, isso não é novo, isso não é vanguarda. Mas ela, a avant-garde, existe, pois faz parte da cultura, porém pode estar em estado latente. Grupos se movem, escrevem, bebem, trocam idéias, fazem filmes, poesia, jornais, brigam por opiniões divergentes, e tudo isso para formar algo mais robusto. Algo que talvez estes que estão hoje brigando, se esfalfando, se rasgando para defender, para fazer, produzir, parir, não verão, ou estarão mui velhos para tanto. Contudo, é preciso que haja o marginal, para nascer o novo: o parto de toda uma geração. A geração que faz parte de certo nicho marginal, que nasceu pós-verdes anos, hoje, não tem moral ou valores: é a geração fast food, ensandecidamente veloz, machucada pela vicissitude da realidade incompreensiva, ou pela decadência evidente da burguesia, e dos valores caducos, da impessoalidade do ciberespaço, e outros que tais, um universo plástico que impede que sonhemos com o que não conhecemos, ainda. É necessário crer em alguma coisa, pois a vida não tem muito sentido. Eu creio na arte, por exemplo. Mas não sou artista, nem poeta.

Entretanto, certamente, estamos a construir algo para a próxima ninhada. Algo novo, que permitirá que se tenha uma bússola, uma arte de verdade, original, genuína, como tínhamos até uns trinta anos atrás. Meu deus, tenho apenas 26 anos e fico com esta catilinária de 60. É que é isso o que penso, essas idéias a respeito do que fazemos e para quê, a finalidade de nossas vidas, dos projetos em que muitas vezes nos atiramos de cabeça sem pensar em dinheiro: apenas o gosto pela coisa, porque vale a pena, ou não, vai saber, dane-se, faz-se porque é preciso, sim. Jogar a ambição por aposentadoria, plano de saúde, estabilidade, casamento oficializado em três vias [uma branca, uma azul e outra verde, carimbadas e assinadas], acima de tudo não sentir culpa por não estar girando com a máquina, e não vai dar para pagar as tuas dívidas, lembrar-se sempre de Henry Miller, de Bukowski, de Rambaud, de Baudelaire, de James Joyce [cara-de-pau para não passar fome] e de Anaïs Ninn. O que essa gente fez pela arte é impagável. Não importa se sofreram, isso só enriqueceu mais o trabalho. O sistema, o casamento ortodoxo, o décimo terceiro, o concurso público, a rotina, o planejamento criterioso de cada passo é para quem os que só querem isso mesmo da vida. Mas ela pode dar mais que isso. E nós podemos sugar algo mais dessa nossa vidinha de apenas masturbações egocêntricas, e tentar entender esta época. Sem Benjamin ou Lèvi-Strauss, nada disso: diminuir o passo, fechar mais a boca, abrir mais os olhos, organizar os dados, comparar o passado, mas que saco!, é apenas isso. Sei. Eu disse que esse texto seria chato. Isso é fato, como diria o Frank Jorge. E este texto foi ele quem inspirou.
 

Ariela Boaventura