por Cris Lisboa
Noite fria. Bem que minha mãe avisou, praia em feriado de Finados é pecado. O caseiro (Pedro? Paulo? Gerson?) sumiu. Varanda. Mais frio. A galera saiu prá procurar vinho. Ficamos sozinhos. Fazia tempo que isso não acontecia não é mesmo?
Pensei em falar, contar que viver tem sido tarefa dura, que sentia saudades e que nosso peixinho, o Nhó, tinha morrido. Suicídio. Talvez tristeza. Mas minha boca estava seca, e você parecia não querer ouvir. Silêncio constrangedor. Só se ouvia o barulho do mar batendo nas pedras, e não era o começo de parágrafo de romances "Júlia".
Olho pro teu rosto. Será que tu ainda ouve Djavan? E no Ocidente, tu ainda vai? Lembro de uma música, começo a cantarolar sem querer: " Será que você ainda pensa em mim...."
Tu não ouve, ou finge não ouvir. Não tínhamos trocado nem uma palavra, e no entanto, eu parecia ter ouvido milhares delas. Minha cabeça estava a mil. Éramos felizes não ? Nos divertíamos juntos. Pelo menos foi isso que eu guardei de nós dois ("Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la / Em cofre não se guarda coisa alguma / Em cofre perde-se a coisa de vista / Guardar uma coisa é olha-la, fitá-la, lembrá-la, iluminá-la e ser por ela iluminado."), junto com os ataques de riso, os abraços, os choros, os poemas, os cheiros, os momentos.
Faz muito tempo que estamos sentados na varanda, olhando o mar, sentindo frio, fingindo que somos amigos, que não sobrou nenhum rancor, que nos perdoamos mutuamente, e sem coragem de dizer uma só palavra.
Pelo amor de Deus, diz alguma coisa, me olha, me abraça, me beija, me manda à puta que pariu, diz que me ama, diz que me odeia, qualquer coisa....por favor. Eu não acreditava que tudo isso tinha saído da minha boca. Tu me olhas com medo, (de mim ou de ti mesmo?) e sorri. Não me diz nada, apenas sorri. Então alguma coisa pára, tudo pára. Afundo no te olho e naufrago na tua boca, águas se misturam, esqueço. Queria fazer um feitiço pra que tudo siga parado, nada volte a andar. Sussurro no teu ouvido gelado. Mais uma vez você sorri. Um desses sorrisos de menino levado que não sabe o que faz. E esse sorriso me trouxe lembranças, e doeu. Tá chorando? Tu me perguntava incrédulo. Eu chorava por tudo que se foi, por ti, talvez por mim. Chorava de medo do amanhã. Merdamerdamerda. Sai daqui! Eu era forte antes de ti, lembra? E não choro na frente dos outros. Isso foi um engano, isso foi um engano, eu repetia sem pausa, sem cansar. Você não sabia dizer o que estava sentindo.
Ah, quer saber? Esquece. Foda-se. Tá feito. Fraquejamos mais uma vez. Me beija de novo que eu tô com frio e quero fechar os olhos e tentar guardar teu cheiro comigo. Viciado não pode ver coca, alcoólatra não pode ver whisky, eu não posso te ver? Que coisa cafona, pensei. Ri, gargalhei. Como há muito não fazia.
As pessoas voltam com o vinho. Trouxeram também o caseiro (Paulo? Pedro? Será Marcelo?). Na geladeira só tem açúcar, pras formigas não atacarem. Não tem gás. Lareira. Vinho, vinho, vinho. Agora tu tá longe, e mesmo assim eu procuro teu olhar. Quero uma confirmação de que não foi um sonho, não foi delírio. O vinho está fazendo efeito no estômago vazio. Porra, olha pra cá! Teus olhos me perfuram a alma. Azar, foi só um engano? E quantos mais virão? O que vamos fazer amanhã, quando o dia clarear? Não sei, não sabemos, quem sabe?
Cris Lisboa