por Peter S. Krause
Eu preciso dormir mas não consigo. Olho ao meu redor e não vejo nada pois já apaguei as luzes. Queria contar carneirinhos mas uma vida inteira na cidade grande fez com que eu jamais soubesse exatamente como um carneirinho é. Eu sei como é uma ovelha de cara preta porque uma me deu uma cabeçada quando visitei a Expointer. Mas não sei como são os carneirinhos. Uma vez eu vi um pônei na tevê. Também vi cachorros e gatos. Vi baratas e moscas. Vi cavalos puxando carroças. Vi pessoas puxando carroças. Vi peixes em aquários para vender na avenida Júlio de Castilhos. Vi mulheres em aquários para vender na avenida Voluntários da Pátria. Vi aranhas em hotéis baratos. Vi piranhas em hotéis ainda mais baratos. Vi um lagarto embaixo de uma casa na serra uma vez. Vi um caranguejo perto dos pêlos pubianos da Simoni e decidi que não valia mais a pena comprar Playboy. Vi abelha e vi mutuca. Vi Mutuca e os Animais. Vi coelhinho peludo. Vi bichos escrotos. Vi lagartixa de parede com mosquito dentro. Vi mosquito fora de lagartixa também. Vi alguma coisa morta com pêlos no asfalto. Vi capivara atropelada no caminho pro Uruguai. Vi os patos no parcão. Vi lesmas. Comi lesmas. Lesmas derretem com sal. Dizem que sal no rabo prende os passarinhos. Pelo menos foi o que ouvi no desenho do Pica-pau. Voltando ao que vi, vi vaca. Vi touro. Vi um monte de tipos de pássaro, vantagem de viver em Porto Alegre. Vi até bugio no Lami. Vi rato revirando lixo em busca de comida. Vi mendigo revirando lixo em busca de comida. Mas não vi carneirinho. Nem dentro de uma caixa, nem fora de uma, vi. E carneirinho é a única coisa que se pode contar pra conseguir dormir.
Peter S. Krause