O FIM DA NOSTALGIA

por Roberto Tietzmann

 

Uma conseqüência interessante da evolução das tecnologias de comunicação é o xeque-mate que elas colocam na nostalgia. Quer dizer, da nostalgia de filmes, programas, jogos, etc. Em resumo, você não precisa mais ter saudade daquilo que assistia quando era criança. Porque pode assistir tudo de novo hoje mesmo pelo cabo, internet, etc.

Senti isso quando minha busca pelos episódios do "Super Galo" foram resolvidas ao encontrar umas vinte páginas de internet sobre o SG. Alguém aí se lembra deste desenho obscuro? Passava na TV Guaíba no início dos anos 80... e desde então sumiu do mapa, pelo menos para mim.

Pois bem, depois de conseguir provar para os incrédulos que o desenho do Super Galo realmente existia, parti para outro resgate do passado: virar as máquinas de fliperama onde torrava minha grana nos verões em Tramandaí. Entre elas todas, a mais desejada (e sumida) era o "Flying Shark", onde - basicamente - um aviãozinho tem que matar tudo o que passar pela frente. Jogo de menino, sem dúvida. E cheio de armas extras, que varriam a tela com tiros e bombas. YEAH!

Em 15 minutos na internet encontrei o site de uns malucos que haviam copiado a máquina para dentro do computador e escrito um programa para rodá-la. Três dias depois, atingi o objetivo que parecia inatingível quinze anos atrás. E apaguei o jogo do meu computador. Não havia mais o que ver ali.

O que isso nos mostra? Bem, aqueles de vocês que gostam de videogames podem comemorar, pois é bem provável que possam revisitar todos os sucessos do Atari (e quebrar muitos joysitcks jogando Decathlon!). Intelectualizando um pouco, significa que estamos vendo os videogames e os fliperamas ganhando o equivalente às reedições literárias, fazendo deles obras mais ou menos perenes e presentes na cultura Pop.

Curiosamente vigora um clima de "de graça", acompanhando a distribuição via internet. As empresas de jogos fazem em geral vista grossa ao fato, lançando em seguida versões atualizadas de seus jogos. O espírito de Pac-Man vive nos Dooms e Quakes da vida, assim como o Pitfall tem em si o mesmo sabor de um Tomb Raider, guardadas as devidas proporções.

A indústria cultural nos passou a perna mais uma vez nessa aí. Porque primeiro criou a necessidade dos produtos (se não houvesse fliperamas viciantes, o que seria?) e depois relança os produtos já com o rótulo de "clássicos". Será que algo precisa apenas ser velho para se tornar "clássico"?

O mesmo vale para os jogos: volte ao Atari e veja! A maioria dos jogos são uma droga e perdem a graça em meia hora! Você só jogava aquilo porque não tinha nada melhor em casa (e o fliperama custava caro). Está muito melhor hoje, com outros equipamentos. Mas isso não responde ao sentimento. A nostalgia tem menos a ver com a realidade que com nossa lembrança. E a memória adoça os fatos com o tempo.

Ou seja, o contexto em que se tomou contato com a obra é tão (ou mais) importante que a coisa em si. O Atari nos anos 80 era a FRONTEIRA DA TECNOLOGIA dentro de casa. Ou pelo menos essa era a onda que nos venderam (e onde entramos alegremente). Cada jogo era a modernidade feita em cartucho! É mole ou quer mais? Assim a sensação de "novidade" era o tempero que dava o sabor especial para nossas tardes de jogatina. Ah, e competir entre os amigos também ERA MUITO DIVERTIDO! Anos depois, as coisas mudaram de figura e só restou o aparelho...

... ou melhor: até o aparelho se dissolveu, absorvido dentro de um computador N vezes mais poderoso. Os conectores dos velhos cartuchos enferrujaram e os jogos só existem em sua essência pura de informação. Outra vez, o paralelo com reedições literárias: não temos o mesmo papel dos dias de Shakespeare ou Dante, mas o conteúdo continua sendo reimpresso. Muda o suporte, muda o contexto, mas a obra permanece. Ainda que sua leitura possa ser completamente distinta.

Y así pasan los dias (quem tem nostalgia de boleros?)... aquilo que era passado, portanto descartado, ganhou um novo status no mercado (formal ou informal) e passou a ser mercadoria quente. Assim como a Disney passa há 60 anos o "Branca de Neve" (eles sacaram essa primeiro!), podemos agora revisitar, rever ou tomar contato com um sortimento de obras que antes desapareciam com o tempo.

Muitas vezes ao revisitarmos obras antigas vemos claramente suas limitações ou suas inapeláveis babadas, cretinices, etc. Isso pode ser doloroso, mas também pode nos mostrar que hoje temos mais discernimento para escolher que coisas consumir (ou produzir). Ou não. Sei lá! Do que você tem saudade? Ou melhor: será que você pode fazer de seu passado um produto vendável? Pode ter gente querendo comprar!

 

Roberto Tietzmann

<rtietz@zaz.com.br>