EU E O HOMEM-ARANHA
TEIAS DE INTIMIDADE 2

 

 

por ariela boaventura,
mary jane parker interina

 
Acabávamos de tomar café com presunto quente e queijo. Acendi um cigarro.

Ele estava escarrapachado à cama, todo imenso. Eu, deitada no sofá.

- Vai smoke?

- Já estou smoke - eu disse, sem olhar.

É claro que sei dos males que faz o cigarro, e é claro que odeio admoestações. Tenho vinte e seis anos e penso que ninguém tem nada a ver com isso. Se eu quiser pegar meu pulmão e rasgá-lo e jogá-lo pela janela aos pedaços, ninguém tem nada com isso. A não ser o lixeiro, talvez.

- Veja - ele insistiu. Eu creio você não dever fazer isso. Pete começava a me irritar.

- Veja - eu disse -, se você gosta de cuspir pra cima eu não vou te encher o saco. É apenas um cigarro. Me deixa fumar em paz.

Um não-fumante não compreende quem fuma. Eu sei disso, pois já fui um, naturalmente, pois não nascemos com um cigarro pendurado à boca. Mas quando pequena não compreendia meu pai, que fumava três carteiras por dia e ficava o dia todo chupando um canudo de papel com uma brasinha bruxuleante na ponta. Pete não se deu por vencido:

- Não vejo riso¹ nisso.

- Eu não estou rindoº Pete. Estou apenas fumando meu cigarro. É importante pra mim. Assim como você respira, Pete, assim como você come, dorme, eu preciso fumar, Sou uma viciada, entende?

Ele franziu o cenho, meio triste, emburrado.

- No.

Eu já estava ficando puta. Ele levantou, foi à cozinha pegar mais café. Quando voltou, a adrenalina havia subido até minha cabeça e subiria ainda mais. Eu estava de pé, perto da janela da sacada. O cigarro, abandonado no cinzeiro, fumegava. Ele tinha a xícara na mão, fumegando, quando eu disse:

- Sai! VAI EMBORA DAQUI! ANDA! - e apontava o dedinho para a janela, por onde ele entrava.

Me olhou atônito, como se tivesse apagado a luz. E isso me fez perder o controle, coisa fácil. Pete é todo perfeição e isso me fumegou o melão. Não tem isso aqui de defeito, a não ser o sotaque de gringo, que faz ele falar esquisito. Merda de gringo, quem ele pensava ser para me tratar com aquele ar superior de professora do SOE?

- QUE MERDA, VAI EMBORA PÔ!

Meu dedo seguia mostrando o caminho. Ele ainda segurava a xícara. Estava de lindas cuequinhas brancas de algodão e pés descalços. Eu não tinha nada em casa que lhe servisse nos pés. Patas, diz. Patas tamanho 44, por aí. Ele andou de um lado para outro, ponderando com as patas, a maldita xícara na mão. A bunda arrebitada, a visão das imensas paletas, a cintura que acaba em duas covinhas, tudo fez meio que me parecer um tanto radical. Mas agora, ora bolas, o orgulho falava. O sangue subira à cabeça.

Sentou. Tomou calmamente um gole de café, olhando algo que eu não enxergava. Depois, os olhos, aquelas duas bolitas verdes, pousaram no uniforme, disforme no chão, enrodilhado numa maçaroca. Largou a xícara. E com toda a calma, pegou o uniforme. Fiquei ainda mais puta, não sei explicar por quê. Baixei o braço, voltei ao sofá. E acendi mais um cigarro. Dificilmente fumo um logo após outro, mas eu queria irritar. Estava out. Ele colocava a roupa devagar e eu fazia de conta que Pete não estava ali, me mordendo toda por dentro. Então, ele se dirigiu à janela. Eu estava sentada no sofá, só de calcinha, encolhida sobre os joelhos, fumando e já meio fungando um choro, mas berrando:

- ANDA LOGO, PÔ! QUER QUE EU AJUDE?

Ele virou as costas, as mãos na cintura.

Achei ridículo aquele uniforme, a situação toda. Virou-se para mim, as mãos na cintura. Mas não falou nada.

- Que é? Não entendeu não, gringo? FORA!

Eu gritava, apontando a janela de novo, histérica. Levantei e atirei-lhe um sapato. Ele se esquivou e o sapato caiu lá embaixo plop! Droga, era um belo sapato. Ele arrancou a cabeça do uniforme e me olhou com as duas bolitas. Não deu tempo para a defesa, pegou meu corpinho como se fosse um pedaço de pano e levou até o banheiro, abriu o chuveiro e meteu-me debaixo d'água, segurando pernas e braços que se debatiam mais que barata em ritmo de morte.

A boca, aberta, gritava e eu me debatia, querendo furar-lhe os olhos e arrancar a pele de sua cara com as unhas. Naquele dia, descobri que o uniforme do Homem Aranha é impermeável.

Não sei quanto tempo fiquei ali, uma ou duas horas talvez. Cansei de gritar e a garganta doía. A água caía sobre meu corpo, ele prosseguia segurando-me mãos e pernas. Fiquei apática, olhando o nada. O surto passara, o sangue voltara às veias. Desligou o chuveiro, pegou uma toalha e ali me enrolou, pegando o corpo no colo. Trouxe até a cama, deitou-me. Eu muda, sem ação. Os cabelos escorriam água. Ele deitou ao meu lado, alisando com os dedos de leve os meus cabelos. Então, deu um beijo em minha testa, outro acima, na cabeça. Olhou, rápido, para ver minha reação. Nada. Beijou depois o nariz, uma face, depois a outra e foi chegando à minha orelha esquerda, meu ponto fraco, meu calcanhar de Aquiles. Quando começou a beijar a orelha, mal encostando a boca, agarrei-lhe as costas:

- Golpe baixo - disse, e sorri.

Ele não falou. Prosseguiu heroicamente apegado à orelha esquerda, progredindo do beijo à lambida, atrás do lóbulo, o que me dava arrepios em todo o corpo. Aí, já não me lembro bem, peguei a enorme mão dele e tirei a luva vermelha, beijando a palma e os dedos. Ele passou à boca e suguei sua língua com delicadeza.

Não sei como, mas Pete já estava sem a roupa. Sem nada. Nu, todo grande, sobre mim. Pegou minhas mãos, erguendo-as acima de minha cabeça, prendendo-me, apertando-as, entrando em mim. Claro que estava pronta, escorregadia. Mas ele queria doar-se. Saiu, me beijou a barriga, descendo com a língua, descendo mais, bebendo meu suco e me enlouquecendo. Eu gemia. Então, voltou a entrar, me beijando À boca, olhos abertos, eu doida de vontade de morrer nele. E o homem saiu de novo, me virando de costas.

As costas são algo precioso. Mordia pequenas porções de cada pedaço de minhas costas. Eu estava em transe. Enquanto mordia, pegou novamente minhas mãos com suas patas, apertando-as entre as suas, e entrando novamente.

O Homem Aranha é ágil, deveras.

Eu queria já, não agüentava mais, mas ele protelou ainda esta vez. Saiu de novo e me jogou sobre ele. Enchi-lhe de beijos, mordidas e lambidas por onde consegui. Eu mesma agarrei e o coloquei dentro de mim. Ele era meu cavalo, e antes de gozar, agarrei-lhe as mãos sobre sua cabeça, beijando e sussurrando coisas que não lembro. Morri dentro de um grito, talvez o dele. Desmaiei sobre Pete. Dormimos.

Quando acordei, ele prosseguia dentro de mim, só que roncava a plenos pulmões. Não mexi um músculo. Dormi novamente pensando que, apesar de não ter cura, a loucura pode ser remediada pelo amor.

A propósito, não tive vontade de fumar.

 

NOTAS DE RODAPÉ

¹ Ele quis dizer graça, motivo.
º Trocadilho com a expressão errada usada por Peter.

 

Ejacula teia aqui pra voltar pro NÃO