ou
Por que Tudo Sobre Minha Mãe é
o Filme do Ano
por Daniel Feix
Diz a chamada da Playboy deste dezembro: "Uma entrevista com a jovem escritora Fernanda Young, que fala sobre livros, poesia, e ensina a fazer sexo oral em uma mulher." Chamada perfeita, leitor que corre para a página da tal entrevista - lógico que só li depois de ver as fotos da Feiticeira, afinal os homens, por defeito genético, querem primeiro ver as bucetas, ou bocetas, que é mais meigo, para depois lidar com elas, ou então, consumi-las antes com os olhos, de uma forma mais imediata.
Na entrevista, Fernanda Young realmente disse algo como "O mais importante é o homem entender que toda boceta (com o) é diferente. Tem de acariciar, analisar, testar. Não dá pra cair de boca assim, direto." Ora, isto não não poderia ter sido publicado, e muito menos dito, nos anos 70. Talvez, mas improvavelmente, nos anos 80. E com certeza, de forma assimilada, sem alardes ou escândalos, nos anos 90. É. É, porque os anos 70 não conheceram a Madonna, e porque os anos 80 apenas estavam assimilando uma espécie de abertura sexual feminina, que, de forma mais crua, é uma socialização da putisse (no ótimo sentido), ou uma abertura de bucetas. Ou bocetas, como quer a polidez.
A Madonna é a capitã do time. A líder. É o Fidel da Revolução Cubana. Foi ela quem falou em Material Girl, foi ela quem primeiro abriu na mídia (e, para abrir na mídia, é preciso ter peito), quem convocou a mulher para ser bitch. Quem começou de forma explícita (porque de forma implícita a abertura coletiva já havia começado muito antes) o movimento "c'mon girl, you've got the power!". E a Fernanda Young é apenas mais uma de suas discípulas. Mais uma responsável pela abertura, que vem de abrir, logo, caminho livre para entrar.
Este fenômeno social, que é uma revolução comportamental, é parte de um mundo pós-moderno. Só poderia existir na pós-modernidade. Só poderia se estabelecer em um tempo que assimilou uma condição pós-moderna de ser, através da publicidade, da tecno-música, dos clubs, da globalização, do rock, do punk e do cyberpunk, da Internet, da Adidas, do celular, do micro-ondas. O mundo pós-moderno, que convive com uma criatura feita de formas evolutivas e tecnológicas, determina bruscas mudanças no comportamento, assim como na arte, sob todas as suas formas de expressão. O mundo teve que primeiro abrir as suas pernas para então suportar a abertura feminina.
As mudanças comportamentais são refletidas na arte. A arte é a própria reflexão do comportamento do homem, na sua época. Reflete o imaginário do seu tempo. É por isso que contextualizar uma obra artística é dar-lhe, além do valor criativo, valor científico. É submetê-la à História da Arte, ciência do século XX. E a arte, nos tempos pós-modernos, assimilou a putisse socializada (é óbvio, no ótimo sentido).
Mas, o sexo. O sexo existe há um tempo que só vamos saber depois de descobrir onde termina o universo, e onde estão os pilotos dos OVNI's. O desejo existe há séculos. A putisse não é privilégio da pós-modernidade, e o homossexualismo não é exclusividade das criaturas pós-modernas. Mas, os anos 90 modificaram a abordagem do tema, nas obras artísticas, ou mesmo fora delas, nos atos de dar e receber. Foi por causa da abertura que o tratamento das aberturas so modificou.
Hoje é legal gritar "ah, eu sou cachorra".
As mudanças da era pós-Madonna são mudanças dos anos 80/90. Mas a evolução é contínua. Uma vez aberta a porteira, passa a boiada inteira. Continuará, nos anos 00, a socialização da putisse. Mas em um novo estágio, o estágio pós-TudoSobreMinhaMãe.
Na minha visão de jornalista delirante (no ótimo sentido, é óbvio), o filme de Almodóvar é um marco. Pode não ser cientificamente, mas jornalisticamente é. Porque a emoção, aliada à comédia e ao drama, é sinal de maturidade. Maturidade no trato da homossexualidade, amadurecimento no trato da prostituição (que significa valorizar a profissão), humanismo no trato com as pessoas. E, se observar o lado humano da homossexualidade, da putisse e das mulheres pós-Madonna não é nenhuma novidade (o que realmente não é), a glória de Almodóvar está em fazer as pessoas se emocionarem com a homossexualidade, com a putisse, e com as mulheres da era pós-Madonna. E isso é talento. É saber fazer cinema, é saber fazer arte. É não só incorporar o imaginário da sua época, mas sim, antecipar o imaginário futuro.
É simples, Almodóvar constatou: a partir de agora, nós homens estamos aos pés delas. Achamos as putas engraçadas, nos apaixonamos pela meiguice comovente da freira aidética e grávida de um travesti. Aliás, eu queria inclusive ser comido por aquela freira! E, que maravilha seria dar praquela freira!
Tudo Sobre Minha Mãe marca o início de uma era onde os homens começarão a se submeter às mulheres, porque as acham engraçadas, porque as acham humanas, mas sobretudo porque sabem que elas são putas. Porque sabem que elas estão abertas. E, que lindo é ser engraçada, humana e puta ao mesmo tempo. E ainda aberta! É uma característica exclusiva das mulheres.
A última obra artística de Pedro Almodóvar reflete um imaginário lésbico. Um imaginário que incorporou a abertura da Madonna (no mal sentido, e não no mau, muito menos no bom), e que convive com a grande descoberta da mulher pós-moderna: "Ah, como é bom ser um pouquinho puta!", mas que sobretudo antecipa a grande sacada dos anos 00: o homem se emocionando com a mulher aberta. - "Você sabe dirigir?", perguntou a coroa. "É claro, antes de ser puta eu fui caminhoneiro", respondeu o (a) travesti Agrado, que tem esse nome porque agrada aos outros. E a reação da platéia: riu e se emocionou. Que meiga esta cachorra!
Mas por que imaginário lésbico? Porque o lesbianismo da pós-modernidade deixou de ser somente opção, ou gosto, e passou a ser uma fuga do machismo. E que fique bem claro, o lesbianismo deixou de ser homossexualismo. As mulheres de hoje têm atitudes lésbicas, mesmo sendo heterossexuais. As lésbicas pós-modernas são as próprias mulheres, depois da revolta feminista furiosa despertada pela Madonna. Estão no "estágio homem", embora conservando a meninisse da pele delicada.
É também por isso que a moda vai mudar nos anos 00. Nada mais de olhares frios, sexies ao extremo, mas sem vida. A mulher da próxima década vai incorporar o "estágio homem", o olhar Tarcísio Meira, o charme masculino, sereno, pelo qual ela sempre se apaixonou. E por isso deve dominar o mundo. Afinal, quem vai resistir?
Tudo bem, se apaixonar por uma mulher aberta não é privilégio da idade pós-Madonna. Mas, o homem também mudou. Escreveu o Jabor, na sua coluna na Folha de São Paulo, dia desses: "A Feiticeira é muito perfeita, não esconde nada, não tem segredos. Tinha de ter uma celulitezinha pra dar charme." O homem convive, nestes tempos, com a abertura. E por isso tornou-se mais exigente. Quer bocetas, e não bucetas. Quer a meiguice, e não a tagarelice incessante da loira de unhas vermelhas gigantescas. Em outras palavras, quer a mulher aberta. A lésbica de espírito. E isso será uma doença. Uma obsessão.
Então, já sabemos que, por sua doença obsessiva,
o homem vai cair aos pés das meigas-putas nos anos 00. Seré
escravo. E o Almodóvar será um dos eternos culpados. Como
diria Eric Cartmann (que pode ser o perfil do homem nos anos 00): "Son
of a bitch!"
Lamba o tapete aqui e volte pro NÃO.