Assisti hoje (05/2) a programa de TV em que estavam o L. A. Fischer, o Décio Freitas e o Luís Coronel conversando sobre cultura gaúcha. O historiador alertava a toda hora que não existia uma homogeneidade cultural no Rio Grande e que o tipo gaúcho é o da metade sul [arcaica, atrasada, (ao contrário dos adiantados filhos de colonos e imigrantes que respeitam a adiantada ética do trabalho)] e que seria quase estranho um neto de alemão ou italiano tomar mate e pensar-se gaúcho.
Quando se discute o tema de porque o gaúcho é o que é, e que é um tipo específico de brasileiro, falta um pouco mais de sociologia. Assim como os recursos materiais não são distribuídos homogeneamente entre os homens ou grupos de homens, o que é reconhecido como traço característico de um povo de determinado território e incorporado com uma certa "naturalidade" é fruto de circunstâncias históricas, de imposições de certos grupos e sobre um determinado conjunto maior de pessoas ou "grupos". E não é raro o Estado estar no meio.
Por exemplo, o samba tornou-se a expressão musical brasileira
típica a partir de uma afirmação de traços
culturais da capital do país neste século do rádio,
do disco e do estado nacional varguista. Agora, vai dizer pra um passista
de Londrina, de Belém ou de
Botucatu, ou então para um compositor de samba-canção
de Porto Alegre que eles são culturalmente dominados... Eles acreditam
que o samba está no sangue e no pé tanto quando para o pessoal
de Madureira. Eles são brasileiros. De modo análogo, quando
se come feijoada está se comendo a típica comida brasileira,
apesar de que hoje, no país omo um todo, se come muito mais o churrasco
inventado em churrascarias - creio que de Porto Alegre - do que feijoada
ou acarajé. Só perde pro "à la minuta".
A afirmação do gaúcho como tipo deste território
meridional é fruto de uma série de "atos de instituição",
pelo menos desde a Guerra dos Farrapos, em que o MTG e sua segunda geração
festivaleira fazem parte. [Não sei bem como, as gerações
republicanas
(urbanas e positivistas) dominaram sem liquidar com os símbolos
do tal Rio Grande arcaico.] Depois de 45 a coisa ficou mais tranqüila
e a própria aceitação do termo "gaúcho" em
substituição a "rio-grandense" cresceu nos últimos
cinqüenta anos. Como lembrou o Fischer, agora até se toma mate
na rua. Porém, se a turma da metade sul conseguiu se impor culturalmente
- a partir, obviamente, de Porto Alegre, onde o MTG foi fundado
- isto não é sinal de atraso. Pode ser atraso para
nós, outros. Por exemplo, para aqueles que já passaram pela
Bossa Nova, e, por serem gaúchos, são associados à
música gaudéria dos
festivais, ou ainda pior, à "tchê music".
E, mais: a construção cultural não pára.
Por exemplo, arrisco o seguinte chute: nestes últimos tempos a cultura
brasileira está um pouco mais brasileira e talvez mais paulista
do que nunca. E o que significa ser gaúcho também pode ser
modificado. E vamos
nessa, apesar de nem sempre sem bom "à beça".