Uma noite americana
por Julieta Marocco, de Barcelona
 

Conheci esse cara, o Peter. Um cara muito simpático, gentil e educado. Quis saber até qual era a minha opinião sobre o Pujolismo. Como não sei porra nenhuma sobre o Pujol e tenho nojo de tudo quanto é nacionalista, disse que achava tudo uma merda e que não tinha o mínimo interesse no assunto.

Algo de muito interessante. Muito interessante e um tanto enigmático. Literalmente. Peter é americano. Americano de verdade, daqueles que torcem pela liga de basquete e comem bacon com ovos às 7:00 da manhã. Nunca acreditei que isso fosse realmente possível. Bem, Peter me disse que sim e que é isso de fato é muito bom. Disse também que um dia gostaria de cozinhar pra mim. Confesso que senti vontade de comer bacon com ovos. E talvez até almoçar bife com batata frita e ketchup regados a leite.

Mas enfim, ele é americano e fala inglês conseqüentemente. Obviamente, não fala um ¨ai¨ em português e algo me diz que pensa que o Brasil fica em algum lugar qualquer ao leste da África do Sul. Quem me dera poder voltar no tempo, mais especificamente à minha adolescência quando, ao invés de freqüentar o curso de línguas, eu ia prá pracinha da esquina fumar maconha com aquele bando de pirralhos idiotas. Minha mãe, sabiamente, me dizia: ¨filhinha, não deixe de ir às aulas de Inglês, ainda vai se arrepender¨. Eu detesto dizer isso mas, mais uma vez, minha mãe estava certa.

De qualquer forma, temos algumas expressões comuns como bacon, ketchup e basquete (ou quase isso) e conseguimos nos comunicar por quase 10 minutos, o que é muito bom. E também não sou tão estúpida, tenho 3 cd´s do Marvin Gaye, e sei muito bem o que significa ¨yes¨, ¨no¨, ¨hello¨, ¨baby¨, ¨beautifull¨, ¨kiss¨, ¨i love you¨, let´s stay together¨, ¨you are everything and every thing is you¨ (ah, meus cd´s do Marvin Gaye), ¨will you marry me¨? Creio que isso é mais do que suficiente para começar uma relaçãozinha assim, básica, entre eu e o Peter.

O que acontece é que temos um encontro. Resolvi sugerir o museu. Museu é um lugar onde as pessoas não precisam trocar palavras para impressionar, ou seja, ideal para nós dois. O máximo que pode acontecer é sermos obrigados a compartilhar algumas interjeições do tipo...¨beautiful!¨, ¨uau!¨, ¨yeah¨. Definitivamente uma boa escolha.

Obras lindas, não? Pena que ele não me entende. Quem sabe se eu tentasse dizer algo como ¨interessant¨, ele provavelmente entenderia. Tenho certeza de que a palavra é quase essa, quero dizer, não estou bem certa. Olha só esse quadro do Rodin...que interessante, não Peter? Pena que ele não me ouve...Olha, que coisa esses dois tomando café da manhã juntos nesse jardim maravilhoso. Parece até nós dois, Peter. Você preparando o nosso café da manhã com frutas e sucos fresquinhos...tenho certeza que, além de bacon e ovos, sedeve comer frutas nos Estados Unidos, não? Pena ele não falar português. Como eu queria que você me entendesse, darling. Que tal esse quadro do Monet?

-¨Eusnfull!¨

Nossa! Ele falou. Acho que foi algo como ¨wonerful¨ ou ¨sikful¨, com certeza algo muito positivo. Concordo, Peter. Pena ele não me ouvir.

O que fazemos agora, Peter? Chegamos ao fim, não nos resta mais nada além da nossa atonia absoluta. Tudo que tenho pra te dizer é bye. Kisses and bye. Espera, ele me diz algo semelhante a...seria ¨bar¨? Peter, seu danado, você fala português? Oh, carinho, procurou no dicionário?
Claro que quero ir a um bar com você, mas sobre o que conversaremos? Ai que pavor, ele vai me odiar para sempre! Vai ser a noite mais horrível da vida desse homem. Vamos passar um tempo recorde sem formular um diálogo sequer! O que você está dizendo? Algo como ¨money¨? Money sim, entendo...quer pegar o money, suponho. Acho que quer me levar para a casa dele, é isso, honey? Sim, creio que sim. Acho que descobrimos a nossa verdadeira linguagem, Peter. Nem o português nem o inglês, somente o sexo. Vai ser ótimo, ganharemos tempo. Sexo não requer palavras.
Que bonitinha a sua casa, Peter. Bonitinha mesmo. Olha, tem um terracinho. Um drink? Yes. Até que nos entendemos muito bem. Oh, querido, thanks. Isso, chega mais perto. Agora, me beija. Isso, me beija. Nossa, como beija bem esse homem! Yes. Esses, chamam-se seios.

-¨Seos¨?

Não, Pete, SEIOS. Isso, seios. Que língua presa essa dos americanos. Agora a minha saia. Isso, Peter. Como você beija bem, adoro o jeito que me toca! Assim, um pouco mais...ai! Nunca conheci um homem assim.

- ¨ Wisuu rruorr oww¨?

- ¨Yes¨!

Não faço idéia do que esteja dizendo. Não importa. Claro que é yes. Agora me leva para algum lugar. Pro quarto? Provavelmente. Isso, me joga na cama! Me joga na cama e me chama de ¨my love¨. Agora minha blusa. Olha, repara bem no sutiã e na calcinha. Reparou? São especiais, de rendinhas negras, algo muito sensual. Viu? Só para você, my love. Não, não rasga! Putamerda, rasgou minha calcinha! Porra, Peter! Tudo bem, cherie, me toca assim mesmo. Ah, Peter...Como é que você vai ficar sabendo que é o homem da minha vida?

Estava bom para você? Parece que sim. Pois saiba que para mim nunca foi tão bom quanto hoje. Eu poderia dizer algo como...i love you. Não, ainda é cedo. Nos conhecemos ontem, quem sabe amanhã?

-¨Row dos beb mmai¨?

-¨Yes¨.

Não faço idéia do que tenha dito. Ah, como é bom estar aqui contigo, Peter. Aqui, nesse quarto imundo, cheio de roupas sujas espalhadas pelo chão e com esse fedor de chulé da pior espécie, como é bom, my love. Sim, é o melhor lugar do mundo, é também o lugar mais frio e sombrio que eu já estive, mas tem você, baby, com essas cuecas furadas, sujas e horrorosas que fariam qualquer outra brochar de tanto nojo. Mas como eu já disse, tem você. You, Peter. Será que você também gosta de passear à noite, assim sem rumo? Será que gosta de Marvin Gaye? Gosta? Deve gostar. Você é perfeito. Bem, vamos dormir, Peter. Amanhã acordaremos com o som dos pombos se debatendo nas janelas, creio. Essa espelunca que você vive está tomada por pombos! Vai ser lindo acordar ao som dos pombos. Ou quem sabe ao som das fatias de bacon fritando naquela cozinha nojenta que fica junto com a sala? Não faz diferença, vamos estar juntos, baby. Quem sabe ai então eu possa dizer que te amo para sempre? Não fará diferença, você não entenderá mesmo. Aliás, não quero mais falar. Vamos ficar assim, bem desse nosso jeitinho? Como nos entendemos, Peter! Te amo para sempre.
 
 
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