REVELATIONS
por maria luíza sá e madureira
Morri. E não foi fácil como eu imaginava, assim, uma energia que vai se desprendendo da gente indo indo e vai fazendo coceguinha até chegar ao paraíso. Não que eu queira desencorajar ninguém, nem bancar a espírito de porco, mas os flashes piscantes piscando me doeram os olhos que eu já não tinha e aí é que está a coisa toda. A gente sente tudo como um amputado sente a perna que já foi prá lixeira do hospital. Mesmo depois de enterrados e comidos pela terra que havia de (e come), os olhos ainda me ardiam por causa daquele pisca pisca todo. É que o deus faz esse alarde todo em torno de si com estroboscópio e tudo mais prá impressionar mesmo, por que sabe que no fundo a gente não acreditava muito que ia encontrá-lo no final das contas. Quer dizer, no início, que a gente começa a pagar as contas quando morre. Se bem que, e a vida, o que é, então?, um parquinho?, uma brincadeira? Não, não. Até que isso tem alguma lógica, isso que eu estou querendo dizer. A gente já pagou um bocado em vida, está claro que já, tanto quanto os anos que vivemos. Um bebê tem um saldo negativo quando chega aqui que vou te contar! A gente não paga pelo que fez ou deixou de fazer, baby, a gente paga pela simples existência como energia dissipada dispersa desperdiçada. O deus é meio sovina. E isso tudo tem um custo, baby. Não vá pensar que nascer e habitar este mundo é benção divina ou qualquer outra nomenclatura bonitinha, por que aí sim. Ok, disse que não queria bancar a espírito de porco e estou aqui cruelando às suas custas. Mas é que é bom ficar avisado, quando for a hora não vai ter tempo nem de passar um pefuminho. A morte não espera. E seria bom passar, o cheiro aqui não tem nada de celestial. Aliás, essa história de celestial. Bem, deixa prá lá. Céu com cheiro de desinfetante não estava nos meus planos, mas também não é que seja uma espécie de hospital. Não há o que recuperar. A vida infinita é infinita desde sempre. A gente não precisa se curar. Só que lá na terra eles não contam. E eu é que não vou fazer as vezes de menino que vai embora do cinema contando o filme para os que estão na fila. Até porque ainda falta um pouco para ir embora, se é que você me entende. Além do mais, o deus está doente e então temos que. Ah, isso não importa, você não acreditaria que ele também fica. Mas fica. Se fica. E quando isso acontece, fica rabugento que é o diabo, quer dizer, ahn, eu não disse diabo. Ai. Quer saber se? Foda-se! Era só o que me faltava! Não passei por tudo isso à toa, abusadinho! A morte só vale pra gente ficar por dentro dessas coisinhas. Espere a sua vez. Deixe para ter esse gozo quando não houver mais outra forma de. Não, não, esqueça isso. Tá, mas depois não conto mais nada. Não. Não pode. Nem se masturbar.
Olha que depois ela NÃO conta mais nada.