por Marcelo Benvenutti
Manuela estudou quatro anos na Universidade do Porto, Arquitetura. Um dia, viajando na Internet, recebeu uma proposta de emprego no Brasil. Completar os estudos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e fazer parte de um projeto de arquitetura urbana do Governo Estadual. Manuela, com seus vinte e três anos, seus cabelos loiros que só um atavismo português pode explicar (Os antigos celtas? As invasões bárbaras?) e sua vontade de viajar, aceitou a oferta. Seus pais, divorciados, aprovaram. Apesar de seu pai, engenheiro em uma usina nuclear alemã achar melhor ela ir trabalhar junto com seu tio, funcionário de um banco em Luxemburgo. Nada disso! Meu destino é o Brasil. Manuela chegou em Porto Alegre, estudou mais dois anos e arranjou um namorado: Ricardo. Ricardo era um estudante de Matemática. Um hacker. Seu trabalho era piratear programas da Internet, de cederrons, e vendê-los por celular, em anúncios classificados. Um moreno alto, com óculos fundo de garrafa feitos por um joalheiro da Voluntários da Pátria. Usava calças de brim desbotadas pelo uso e camisetas coloridas estampadas. As amigas (Amigas? Frescas monossilábicas de um bar da Goethe, que, sejamos honestos, cara, não tem nada a ver com isso) de Manuela não compreendiam como ela poderia gostar de tal sujeito. Afinal, ela andava sempre com suas roupas fashion de arquiteta. Só ia aos lugares da moda. Colunáveis de jornais depressivos. As danceterias, templos da pseudo high society gasolina. Mas com Ricardo, não. Ricardo tomava suco de laranja em bares da Assis Brasil. Cervejas em lata vendidas por um real em kombis (Vans?) coreanas.
Um dia, dois meses atrás, recebeu um telefonema. Era sua irmã, Cristina. Vinha de mala e cuia para o Brasil. Procurar abrir novos mercados de trabalho, disse ela, uma médica recém formada. Mentira! Sabia sua irmã. Era inveja, ciúmes, amor, sei lá. Chegou na segunda-feira da semana passada e foi almoçar com Manuela.
- Olá, Manu. Como estás?
- Muito bem. Hoje de noite, quem sabe, vou ver se o Ricardo pode ir lá em casa.
- Mmm... Ricardo. Estou louca para conhecer este rapaz.
- Vais conhecer, garota. Vais conhecer. Mas.. me passa a salada. Como eu ia dizendo... Ah, deixa para lá.
- Deixa para lá!? Aonde?
Ricardo chegou. Dez da noite. Manuela vestia um moletom azul, sem nada por baixo, e sandálias brancas. Cristina andava de pé no chão, calças pretas e camiseta verde. Tudo isso passou desapercebido por Ricardo e também deveria passar por nós. Mas, isso não vem ao caso... agora. Ricardo sentou na poltrona amarela comprada numa casa de móveis da Osvaldo Aranha. Colocou os pés em cima da mesinha de centro de sala e abriu uma latinha de cerveja mexicana comprada no mercadinho na esquina da João Telles, perto de sua casa.
- Ei, Cristina, e aí, como é que tá lá em Portugal.
- Estamos muito bem. Entrando no Mercado Comum Europeu.
- É, sei, globalização, essa papagaiada toda.
- Papagaiada!? O que é isso?
- Não ti faz, guria. Tá sabendo. Tá rolando o maior desemprego e tu vem aqui tentar roubar o emprego dos idiotas do terceiro mundo. Manuela estava na cozinha fazendo um café. Magro, como diz a abobalhada cheia de dentes do comercial da televisão. Não escutou nada, pois era grande o apartamento que alugava, com a ajuda da sua mãe, uma prostituta em uma embaixada portuguesa na Ásia.
- Ei, Manuela! Gritou Cristina, com os olhos esbugalhados.
- Até que tu é mais bonita que a tua irmã, sua fascistinha. Sussurrou Ricardo, meio tonto, mais pelo vinho tinto que bebeu na festa do Hermano, um civil corrupto, em sua chácara em Viamão, roçando as costas de sua mão direita nas ancas da portuguesinha, loira como a irmã. Manuela chegou com uma xícara de café na mão e viu tudo. Sua irmã, sentada no colo de Ricardo, chupando, sugando sua boca, arrancando sua língua com seu piercing prateado. E o pior, estava gostando. Ricardo, excitado, mirou Manuela e a chamou para a festa. Manuela entrou no clima, tirou o moletom e começou a se masturbar com a mão de Ricardo no braço da poltrona. Cristina abriu o fecho (Bragueta, povo! Bragueta!) das calças de Ricardo e continuou a brincar com sua bolinha de metal em outro lugar do corpo dele. Ricardo estava gozando, Manuela estava gozando. Cristina não podia ficar para trás. Tirou a roupa, abriu suas pernas e deixou que Manuela fizesse coisa mais interessante (Pra quem?) com sua boca que beber café preto, enquanto Ricardo gastava o resto de suas energias enquadrando Manuela em uma nova forma arquitetônica. Tudo isso ouvindo uma coletânea da Jovem Guarda. Ricardo acabou o serviço e foi receber no caixa, não, digo, foi ao banheiro. Manuela olhou Cristina. Cristina olhou Manuela. Dentro de seus olhos castanhos enxergava-se o outro que vive. O outro que ama. Aquele que vem para não mais sair. Ricardo saiu do banheiro, arrumando a camiseta dentro das calças.
- Ei, gurias. Vamos tomar uma cerve...
Manuela deu uma rasteira, enquanto Cristina pegou um Buda, que ficava em cima do aparelho de som, e arrebentou na cabeça de Ricardo.
- E agora, o que a gente faz.
- Não sei, mana. Será que ele está vivo?
Cristina tirou o pulso de Ricardo. Estava vivo. Carregaram ele pelas escadas. Não tinha sangue em sua cabeça. Entraram no Fiat monobloco de Manuela e o jogaram no que deveria ser um banco de trás. Abandonaram-no em um terreno baldio no Passo D'Areia. Beijaram-se na boca e viajaram para Santa Catarina. Hoje de manhã, prendi as duas por homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Cristina olhou bem nos meus olhos e falou:
- Sabe qual é o problema do Brasil?
- Não.
- Querem fuder com europeus e vivem como africanos.
Juro que não entendi. Certamente as duas vão ser absolvidas. Não têm antecedentes, não falaram quase nada, não se contradisseram e a vítima era um bosta fichado como portador de haxixe. Chinelão. Manuela, olhando para os pés de Cristina, falou:
- Vamos, mana.
- Vamos. Respondeu Cristina, dando o braço para a policial militar que as conduziu para o presídio feminino, onde ficarão até o habeas. Além do mais, como eu posso saber de tudo, se elas não confessaram?
NÃO, NÃO, NÃO! O buraquinho
é aqui