Por Taís
Campelo
filha do editor deste NÃO
Amor samba de partido alto, infortúnios da
via à dois, da nossa vida a dois que quisestes levar à três,
mas sobre isso não vou falar porque vim unicamente pra dizer que
amor nenhum é finesse, apartamento na Bela Vista ou Mont Serrat.
Todo relacionamento é um barraco no morro, assim universal, porque
amor na alta sociedade não é amor. Burguês não
sabe amar, meu bem, não sabe o que é o amor. Amor é
subúrbio, periferia, ônibus lotado. Amor é suor, cachaça,
pelada no final de semana e farofada em Quintão. Qual a graça
de amar num navio nas Bahamas? Muito óbvio, muito clichê.
Amar com champagne é fácil, quero ver é dizer "eu
te amo" na fila do SUS. Por isso conto minha história ao som da
música de morro, breguérrima, porém autêntica.
E liga o toca-discos que eu quero começar duma vez.
- Primeiro -
Pegue Amália, por exemplo. Enxuta, trinta e
oito anos, um metro e cinqüenta e seis, cinqüenta e três
quilos, professora de inglês. Não era nenhuma Vera Fischer,
mas pra feia também não servia. Solteira, namorava há
cinco anos e nada de casamento à vista. Até que um dia encontrou
Zé Antônio, trinta e sete anos, um metro e setenta e dois,
oitenta e um quilos, escrivão e namorado de Amália, caminhando
tranqüilamente no shopping center de Canoas de mãos dadas com
Leila, vinte e cinco anos, um metro e setenta e cinco, quarenta e oito
quilos, datilógrafa e - pasme!- noiva de Zé Antônio.
Pobre mulher, catatônica em frente à Renner, e ele dizendo
"acho que a gente vai ter que conversar". "Putaquiopariu, Zé Antônio,
conversar o quê?, caralho", e de pronto atirou o cinzeiro da mesa
do café em seu mais recente ex-namorado. Bingo!, na mosca, ou melhor,
na testa, belo corte no supercílio direito, e a platéia só
faltou aplaudir de pé quando ela foi retirada pelos seguranças
da área de alimentação.
- Segundo -
Amália, meia calça branca desfiada e maquiagem borrada pelo choro. Descasca o esmalte vermelho das unhas longas no percurso de volta pra casa. Soluça no banco traseiro do táxi, um gol desses antigos, com o estofamento rasgando e cheio de santinhos decorando o porta-luva. "Eu acho que paguei o preço por te amar demais..."
- Não quer desligar esse rádio?
- É fita.
Anselmo, vinte e oito anos, um metro e setenta e seis, sessenta e nove quilos, formado em Direito, mas fazendo uns bicos de taxista pra aumentar a renda e juntar algum dinheiro pra viajar pro Paraguai na páscoa. Solteiro, vinha olhando as pernas de Amália, mas não suporta mulheres tagarelas.
- Então troca de faixa, ou baixa o volume.
- Ã-hã.
"De repente, você vem me dizer que não sente mais nada. Que o sonho acabou e que já não dá mais pra ficar..."
- Tá me torturando, é?
- Tudo bem, eu troco de novo.
"O que é que eu faço amanhã quando eu me levantar e não tiver mais teu corpo pra me aconchegar, não sentir teus abraços querendo apertar o que sempre foi teu..."
- Buáááááááááá...
- Qual o teu problema, dona?
- Ele me deu esse cê dê no nosso último aniversáaaaaaario [choro]
- Ele quem?
- O Zé Antôôôôônio [lágrimas aos borbotões]
É óbvio que Amália contou toda
a história para o podre Anselmo, o que odeia mulheres tagarelas.
Não apenas tirou a fita do rádio como defenestrou-a pela
janela do gol, traumatizado. Vai que tudo que é solteirona resolve
chorar as mágoas em seu táxi por causa da trilha sonora.
Eu, hein.
- Terceiro -
Quatro, dois, sete, cinco. O táxi de Anselmo recebe a chamada para buscar uma mulher bêbada num desses inferninhos da cidade. Em frente ao estabelecimento, Amália, cinqüenta e sete quilos, saia muito curta, abandonada e decadente. Vidinha cadela a que passou a levar, saudade dos tempos em que acreditava em amor e dizia as três palavrinhas tolas com rima. Entre declarações e surpresas desagradáveis, ficou seqüelada. Ela havia sido a menina que passou a vida inteirinha sonhando em dar aquele beijão romântico e chorou a noite toda quando descobriu no primeiro beijo que os meninos de sua idade só sabiam enfiar as línguas cheias de cuspe em bocas. Levou tudo isso a sério, coitada.
Entrou no táxi, muda, mas não por muito tempo.
- Anselmo, é você?
Ele apenas acena com a cabeça.
- Sabia que o ato falho é uma representação do inconsciente da pessoa?
- E o que que isso têm a ver?
- Nada, nada mesmo. É que eu sonhei contigo
ontem. Engraçado pensar nisso agora, em plena madrugada, e..., não,
não foi um sonho erótico, tire seu cavalinho da chuva, pensa
que eu não enxergo esse teu sorrizinho pelo retrovisor? Será
que eu não posso contar nada pra ti sem que tu avacalhe? Ai, quer
saber?, não te conto mais nada, tu não mereces ficar sabendo
mesmo. É, chega. Tá tudo super estranho... sei lá,
ainda não consegui superar meu final de semana, tô meio sem
horizontes, sem objetivos definidos, e isso é muito mal. Eu não
tenho backstreetboy preferido, não espero pelo lançamento
de nenhum disco ou filme, não tenho nenhuma viagem marcada, não
estou esperando por ninguém voltar ou dar notícias... Sabe,
esses dias, li não sei aonde que as pessoas primeiro cultivam a
vontade de se apaixonar, para depois encontrar o ser que irá encaixar-se
nesse sentimento. De repente taí o meu problema. Não é
que eu me apaixone pelos caras - eu me vicio neles, é diferente.
Sabe "síndrome de abstinência"? Então, é que
nem quando a gente toma muita droga. Faz mal bocado pro organismo, mas
a gente gosta. Quanto mais se têm, mas se quer, que nem sexo. Aliás,
sexo, friamente analisando, não passa de atrito. Não deixa
de ser um movimento no qual uma extremidade corporal em contato com um
cavidade, e produzindo muco. Simples. Pensando bem, a dinâmica básica
é até um pouco retardada...
Vida de taxista é phoda. O monólogo
nada interior da ébria Amália é uma prova concreta.
- Quarto -
Anselmo é assim, prático. Implodindo, parou o carro numa viela escura, sete quilômetros do destino inicial. "Ô, num é aqui", disse Amália, ao que Anselmo respondeu com um bofetão. Virou-se pra trás já abrindo o zíper, "ei!", ela ainda protestou, olhos arregalados, mas não demonstrava muita resistência. Tapf!, sorriu enquanto ele tirava sua calcinha, poft!, pernas escancaras, gritava pra ele meter fundo, "assim mesmo, meu amor".
Acho até que teriam vivido felizes para sempre. Pena que o caminhão tanque da Ipiranga não viu o carro parado após a curva e colidiu, carbonizando ambos. Sacanagem, não?
Chupa aqui pra voltar
pro NÃO