Deu pra ti Não 70
Inventário Aberto de Utopias dos anos 70
Álvaro M.
O que vincula seres humanos nascidos mais ou menos juntos, no tempo e no espaço? Mesmo que ainda não se saiba direitinho o porquê das gerações e das utopias, sabe-se que sem elas não se vive. (Mesmo que a utopia seja de que não há mais espaço para as próprias utopias, que volta e meia entra na moda.) Das várias características de uma geração, suas utopias são das mais interessantes e delicadas, já que geralmente referem-se a sonhos juvenis, que, junto com outras coisas ridículas como o amor, são do que de melhor temos.
Faz vinte anos do show do Nei Lisboa (dezembro de 79) e do filme do Giba e do Nélson Nadotti. Depois disso, vários "Deu pra ti" apareceram. Aliás, o próprio Dicionário de Porto-Alegrês, livro mais vendido na Feira em 1999, pode ser visto como mais um "Deu pra ti". A cada década acha-se que um ciclo se fecha, mesmo que todos saibam que é pura convenção. Mas é assim: teríamos a música dos noventa ou setenta ou a literatura dos oitenta de cada século. E mesmo as gerações são organizadas em décadas. A expressão "Deu pra ti" pode ser interpretada de várias formas, desde a rejeição a certas imposições ou mesmo o adeus a certas apostas ou ilusões.
No livro "Para fazer Diferença", o L. A Fischer, 42, fez uma primeira descrição de uma geração (produtora de " cultura"). Geração que fez 20 anos em algum momento dos anos 70. Até mesmo porque o alemão pretende estudar mais o assunto, proponho a seguinte brincadeira: será possível mapear as utopias dos 70, identificando-as e especulando sobre os seus destinos? Onde estão certos sonhos, apostas ou somente rejeições formuladas sabe-se lá como, onde ou por quem ou porquê? Estariam definitivamente mortas? Será que Deu mesmo pra ti, 70? Comecemos a brincadeira:
Utopia 1 - Transformar a Política em Qualquer Coisa mais Odara.
Mesmo com uma ditadura nas costas, conseguiu-se relacionar com a política uma série de novas preocupações, que transformariam a forma antiga, burocrática e limitada da política. Mesmo com toda a força das esquerdas tradicionais, foi nos 70 que se desconfiou que o tradicionalismo da esquerda e da direita na "grande" política não ia dar em boa coisa. (No especial do J. Furtado "Os Anchietanos" há personagens mais "tradicionais" e outros mais "anarquistas" ou "desbundados", convivendo desde a universidade com este desafio. Os "alienados" sempre foram da direita, e a direita não produziu nossa utopia.)
Criou-se espaço para novas "questões": verdes, mulheres, negros, índios, portadores de deficiências, homo ou bi sexuais, etc, entraram em cena. O fim da ditadura é a expressão mais vitoriosa de um enfrentamento meio oblíquo, não direto. Mesmo encontrando um lugar para esta utopia, este lugar ainda é de coadjuvante. Os novos espaços ou questões abalaram mesmo a "grande política"? As burocracias estatais e partidárias ainda não dão as cartas? Os novos temas e um jeito menos autoritário da política não são secundários, dominados, concedidos? E são concedidos por alguma coisa muito pouco odara.
Trazendo para a província: será que tem alguma relação entre esta utopia e o fato de que a política local é liderada pela geração dos 60 ou dos 50? Será que isto se relaciona com o fato de que a nossa geração se destaca mais na produção cultural do que na liderança política?
E mais: tanto na direita quanto na esquerda, temos mais líderes de 30 e poucos do que quarentões. Porém, em alguns espaços das "novas" questões há uma presença forte da nossa geração. Exemplo: na política ambiental, caras mais velhos como o Lewgoy ou Lutzemberger apitam menos do que os mais novos, como o Gérson Almeida. E a grande parte dos melhores técnicos da área são da geração dos 70. Na luta contra a Aids, nas questões de gênero e outras, talvez aconteça o mesmo.
Será uma questão de incompetência para as "grandes questões", para a liderança, ou será que ainda não somos velhos o bastante para estrelar este filme?
Utopia 2 - O fim da monogamia ou da família tradicional.
Pra que lembrar disso? Como doía saber que o outro fim-de-semana ela iria passar com o Fulano, aquele faixa primo do Ricardo, em Bombinhas ou na puta que o pariu... E, ainda por cima, não se podia admitir que doía. Afinal, a onda era superar os sentimentos de posse, de propriedade, da raíz do capitalismo, da família e da propriedade privada.
Quantos casamentos abertos duraram? Isto seria indicador justo para uma utopia tão ousada? Será que a facilidade com que se separa hoje não é uma vitória desta utopia? Será que o "ficar", típico dos mauricinhos dos 90 tem alguma coisa a ver com isso? Será que este é um desafio somente para jovens?
A vida em comunidade também era utopia que tentou se opor à família tradicional. Tá certo que estas coisas vieram dos hippies, e, de certa forma, os 70 foram ripongas. Há um modo de vida alternativo aí, vivo, mas os condomínios fechados também. Aliás, tenho que parar este texto por aqui e ir ao aniversário do filho da Verinha e do Pedro (ele jura que o guri é dele) no salão de festas daquele edifício no Moinho de Ventos.
Deixemos em aberto esta lista. Alguns temas futuros poderiam ser:
- fim do racionalismo ocidental e o misticismo (e o recente ressurgimento das religiões);
- a supremacia do coletivo sobre o individual;
- a supremacia do espiritual/intelectual sobre o físico (uma geração Não-saúde);
- Inter campeão do mundo;
- a não adesão aos empregos caretas (burocráticos
ou empresariais) (ou de como eu nunca contei que fiz concurso pro Banco
do Brasil);
Cartas para o editor.