Florisbela vai à aula.
 
 

Clarah Averbuck
 
 
 
 

19h30min

Florisbela chega na universidade. É seu primeiro dia no curso de Jornalismo e ela está esperançosa.

Florisbela tem vinte anos e já tentou cursar outra faculdade, não sendo muito bem sucedida devido à idade avançada e cérebro pouco desenvolvido dos colegas, isso sem mencionar sua falta de paciência costumeira. Ela é uma menina meio tensa e sabe que dessa vez também não vai lá ser grande coisa, afinal, trata-se da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mas mesmo assim não consegue evitar a sensação de primeiro dia. Nunca se sabe, não é?

19h50min

O professor entra na sala de aula. Florisbela já está levemente indignada com o atraso do sujeito. São R$ 667 por mês e Florisbela tem esperanças de que não esteja apenas comprando um diploma com essa fortuna, que poderia ser guardada para estudar alguma coisa muito mais interessante em qualquer lugar da Costa Leste dos Estados Unidos da América. Ela examina o indivíduo de cima a baixo. Melhor seria dizer de baixo a baixo, pois ele não passa de um metro e meio de altura. Nada contra nanicos, mas a cara de panaca semelhante à do Catatau, fiel companheiro de Zé Colméia, que está na extremidade superior, não agradou muito os detectores ultra-sensíveis a manés de Florisbela, que suspirou e abriu o caderno para rabiscar algo enquanto o elemento se abancava na sua mesa de professor.

20h

A primeira página do caderno de Florisbela está preenchida com desenhos. Todos de homens-palito, pois Florisbela não tem o dom. O tampinha finalmente resolve começar a aula. Ele é fanho e sua muito. Ele faz piadas sem graça alguma. Ele diz que é jornalista há trinta anos, talvez tentando impôr respeito aos alunos, que não demonstram nenhum sinal de estar levando-o a sério. Florisbela suspira muito e fixa o olhar no canto esquerdo do teto enquanto o cotoco diz, com aparente orgulho, que é editor do caderno de carros do jornaleco local. Carros. Ele é editor do caderno de carros e ainda espalha isso por aí. Florisbela morde a caneta e fecha os olhos, sofrendo.

20h30min

Florisbela não quer acreditar no que acabou de ouvir. O portátil, além de tudo que já se sabe, demonstrou ser completamente incapaz. De qualquer coisa. Disse que ali não era mais colégio nem cursinho. Disse que não queria saber de decorebas. Disse que agora era pra valer. Disse que aquela era a segunda melhor faculdade de Comunicação Social do país. Florisbela sente vontade de gritar ao imaginar qual seria a pior.

20h40min

O pigmeu finalmente decide tomar uma atitude na vida e manda os alunos escreverem um texto livre de dez linhas. "Obá", pensa Florisbela, e começa imediatamente um rascunho. O mirradinho, ao notar as intenções de Florisbela, dirige-se à turma, dizendo que não se deve fazer rascunhos, afinal, você pode ter que entregar uma matéria rapidamente e não há tempo para firulas. Florisbela diz que escrever em computadores é muito diferente de escrever em folhas de papel almaço. Ele a ignora e continua falando sobre a importância de saber escrever sem rascunhos. Ela tenta contra-argumentar, sem sucesso, pois o miúdo está realmente convicto do que diz. Nada de rascunhos. Florisbela sente-se na obrigação de avisar os outros, vira-se para a turma e diz, bem alto: não dêem ouvidos a esse homem!

20h50min

Florisbela termina seu breve ensaio entitulado "Não vale a pena ser jornalista", em que cita a péssima faculdade que a pessoa é obrigada a cursar, tendo que escolher entre greves e mensalidades exorbitantes, os professores que é obrigada a agüentar, a miséria com que tem que se contentar depois de formada, e, principalmente, a falta de espaço decente que o vivente que escreve minimamente bem terá de tolerar. Ela entrega o ensaio, dirige-se para a rua e padece ao pensar na próxima aula que a espera. Introdução às Relações Públicas tem todas as chances de ser pior do que introdução ao Jornalismo.

Olha para o céu e balança a cabeça, sabendo que não vai suportar por muito tempo aquele lugar. Ainda mais com aquele café horrível.