Carta desde Londres
(ou: Epístola aos Portoalegrenses)
Por Tomás Creus
Olá pessoal. Como vão todos? Para os que não sabem, estou há três meses em Londres, fazendo um curso de cinema, e vou ficar quase dois anos aqui (embora em agosto faça uma visita ao Brasil). Curiosamente, ao contrário de muitas pessoas que julgam ter um talento nato, preciso confessar que nunca estive muito convencido de que deveria ser um cineasta. Acabei entrando no mundo do cinema meio por acaso e, quando fui ver, estava dirigindo um curta. O curta, por sua vez, levou a uma bolsa para estudar cinema em Londres (talvez o raciocínio da simpática organização que me patrocina tenha sido o seguinte: "o curta deste cara está muito mal-dirigido, ele realmente precisa estudar cinema. Vamos dar-lhe uma bolsa!").
De qualquer modo, a verdade é que estou gostando bastante de Londres e do curso, como sabem os que lêem meu boletim mensal sobre a vida londrina (quem quiser recebê-lo, ou parar urgentemente de recebê-lo, escreva para tomtom4now@yahoo.com). Mais: pretendo continuar, por ora, no mundo do cinema. Por outro lado, preciso dizer que no curso encontrei pessoas bastante curiosas, e bem mais fanáticas por cinema do que eu. Por exemplo, os cinemaníacos, que se dividem em tipo A ("prático") e tipo B ("teórico"). O tipo A possui uma atração fetichista por câmeras de cinema e similares. Para ele, não importa a história do filme, desde que este contenha planos "originais", com muita movimentação de câmera e ângulos extravagantes com lentes olho-de-peixe e filtros coloridos. A mera menção da palavra "contra-plongé" ou "plano-sequência" lhe causa salivação e, em casos extremos, orgasmo. Roteiro? O que é isso?
Quanto ao tipo B, trata-se de um caso mais grave. O sujeito com esta anomalia cerebral só consegue pensar e falar sobre filmes. Não importa o tema sobre o qual se está falando no momento, ele sempre vai achar uma conexão com algum filme e divagar sobre ele. Mas não pensem que se trata de um mero comentário, do tipo "gostei" ou "não gostei". O sujeito tem uma tendência a analisar os filmes de todas as formas possíveis, encontrando significados ocultos mesmo em bobagens como "Sexta-feira 13 parte VII". Aqui na escola tem um rapaz que sofre desse problema. É um cara legal, convenhamos, mas a sua mania de falar extensivamente sobre qualquer filme - e ele conhece todos os filmes, mesmo os mais obscuros - irrita um pouco. Mas o pior é que ele escreveu um roteiro de longa-metragem que envolve, segundo suas próprias palavras, surrealismo, canibalismo, humor negro e crítica social. Tenho um pouco de medo de lê-lo: desconfio de roteiros que se pretendam sérios e contenham cenas de canibalismo. Não sei por quê.
Mas deixemos o curso um pouco de lado e falemos sobre Londres. É uma cidade perfeitamente habitável, especialmente agora que o frio do inverno passou.e os dias já tem uma duração normal. Londres, como New York, é extremamente internacional, e você encontra aqui pessoas de todas as origens possíveis. Ao contrário de NY, entretanto, também tem um certo ar
de cidade pequena, o que talvez se deva a que não existem muitos prédios altos por aqui, a maioria sendo construções antigas que não chegam à altura do Big Ben; ou talvez a causa dessa impressão seja a imensa quantidade de parques (caminhe três quadras em qualquer direção e você acabará topando com um), que dão um certo ar bucólico à cidade. O fato é que, embora tenha algus problemas típicos de cidade grande, Londres não leva imediatamente ao esgotamento mental, mas tem o seu lado tranquilo (eu poderia acrescentar que tampouco é uma cidade violenta, mas, como recentemente levei um soco na boca de um homeless drogado, prefiro me abster de tal comentário). A parte próxima ao rio também é bem atraente para passeios, sem contar que lá se encontra o National Film Theatre, com três salas de cinema e uma programação ótima e, o melhor de tudo, com entrada gratuita para alunos da London International Film School.
Mas enfim: deixo-os por ora, caros amigos, e peço perdão pelo estilo confuso desta missiva. Confesso que sinto um pouco de saudades de algumas coisas daí de Porto Alegre, embora se me perguntarem do quê, exatamente, não saberei responder. Talvez seja o sol, talvez seja o sotaque gaúcho, talvez seja a cerveja barata, talvez seja o xis da Lancheria (pensando bem, não sinto a menor falta do xis da Lancheria - por sinal, é verdade que o Bom Fim foi demolido e construíram um shopping center no lugar?).
Abraços, e não deixem de escrever.