Lembranças de um sábado à noite

 

Daniela Langer

 

Acho que a música era conhecida. Provavelmente um hitezinho underground. Sei lá, até porque nem importa muito. A noite estava morna mesmo, e não no sentido climático da palavra. Chato. Meia dúzia de fiéis ao Templo que insistiam em comungar com o liquido amarelinho que não durava muito nos copos. E aquele sonzinho under-alguma-coisa-que-o-valha tocando. Cheiro de mofo na sala iluminada pelas luzes piscando e piscando. O sofá chamava. Sentei. Ela do lado. Já bêbada. Atirada. Corpo e mente inertes. Olhos fechados. Uma mexa de cachos caindo sobre a testa. Do outro lado um sujeito parecia dormir. Sentei entre os dois. O cara levantou, cambaleando, sumiu no corredor mal iluminado. A voz "chega mais prá lá", e eu, como de costume, obedeci. Deitou-se, pernas no meu colo. A meia fazendo aquele barulhinho que a gente não ouve, só sente. Pousei a mão sobre seu joelho, brincando de deslizar os dedos pela meia de nylon. Sem saber no que daria. Esperando levar um chega prá lá, um tapa na mão, um pára com isso. Nada. Expressão tão singela. Parecia criança. Meus dedos abrindo caminho por baixo da saia. Um leve separar de pernas. A mão sendo coberta pelo tecido negro, tocando a coxa, subindo. Suspiro. Seus olhos pareciam mais fechados. As pessoas, um ou dois, dançando na pista. Sem perceberem. Sem dar importância. As pernas mais afastadas. Os dedos tentando sentir o tecido macio da calcinha através da meia fina. Um movimento de quadril. Não se importava mais em ser ou não percebida. Mexendo furtivamente o quadril a cada toque. Fechei os olhos. O segundo breve que antecede o algo a mais. Seus olhos se contraindo. O rostinho da garotinha de dezesseis anos tranformando-se, enquanto a cascata de caixos repousava no braço do sofá. Um repente. Um de repente. A música tornou-se mais conhecida no exato segundo em que ela levantou: "quero dançar". Minha mão ainda suada, repousando no meu colo. I'll survive.