A Imagem dos Quinhentos Anos por Fausto |
Duas fotografias publicadas nos jornais do dia 14 de abril são fortes candidatas ao título de imagem dos Quinhentos Anos. Na primeira, aparece o relógio concebido pelo Hans Donner sendo atacado por índios em Brasília. Na outra aparece o índio suruí Henrique Iabaday apontando sua lança contra um Senador da Bahia, o médico Antônio Carlos Magalhães. A primeira imagem, a do relógio, suscita questões intrigantes - entre elas se a desaprovação dos índios deu-se por motivos apenas estéticos ou pela identificação do designer com a empresa que o projetou -, mas preferi a segunda. A foto que escolhi permite afirmar que o índio Henrique não considera todos os brancos iguais e nem todos os políticos iguais. Havia vários políticos, de várias cores (em todos os sentidos), no recinto, mas ao apontar a lança contra aquele em especial, o índio identificou o mais expressivo e caricato representante das elites e o acusou. "O senhor tem que colocar em votação o estatuto dos índios", disse o suruí ao Presidente do Congresso Nacional. Ao que respondeu o parlamentar: "Chegue pra lá, eu vou falar e quero respeito" (falando em respeito, lembre-se que os índios construíram um monumento relativo aos Quinhentos Anos, só que o Governo da Bahia não gostou e pôs abaixo). Henrique, o índio, não estava somente cobrando agilidade no andamento dos processos no Congresso Nacional (isso quem faz bem são pessoas de outra tribo, os "efe e-me ii"). Ele estava interpelando um Senador que é um digno representante da elite, aquela mesma elite que fez o que fez com os índios, primeiro, com os africanos, depois, e, mais tarde, com os índios e africanos que sobraram, com os europeus e os asiáticos que vieram para cá e com todos aqueles que resultaram da cruza destas raças. Por outro lado, a fotografia reflete, também, um momento do velho e contínuo conflito entre aqueles que Florestan Fernandes chamou de "os de cima" e "os de baixo". O conflito é conhecido mas não é produto de um eventual ódio pelos índios e os outros "de baixo", já que o ódio, tanto quanto o amor, são sentimentos que só são possíveis entre seres humanos. Os "de cima", tal qual os colonizadores primitivos, simplesmente desconsideram que os "de baixo" são seres humanos (é como se acreditassem que os "de baixo" não têm alma). Os "de cima" simplesmente negociam com os "de baixo", mas não como se negocia com um parceiro, e sim como se faz, por exemplo, com madeira ou minérios, colocando-os como objeto de seus negócios. Estes Quinhentos tem sido, desgraçadamente, a história dos negócios que os "de cima" fizeram com seres humanos, com o trabalho de seres humanos e com os bens que a natureza dispôs no nosso território. Este velho e contínuo conflito veio para estas terras, até onde sei, com os portugueses. Isto permite dizer que ele surgiu naquele momento, ou seja, quando "nasceu" o Brasil "nasceu" este conflito. E aqui se vê o aspecto mais interessante da foto: o índio aponta a lança para um Senador da Bahia. Realmente, o mundo dá voltas mas parece que certas coisas não mudam. Pois é, a propaganda do Governo da Bahia tem razão ao afirmar "O Brasil nasceu aqui". |
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