O problema da segurança
Por Daniel Cassol
Quem lê Zero Hora e assiste aos noticiários da RBS se apavora. Minha mãe, que mora no interior, é um exemplo: está a ponto de me mandar de volta para São Sepé se o PT não acabar com o "problema da segurança". Ela conhece Porto Alegre através das notícias que recebe, e fica estarrecida com a propagada onda de violência que se instalou na cidade.
Mas, espera um pouco. Mesmo que Porto Alegre não seja uma cidade com alto índice de violência, e não é, esse tal "problema da segurança" de que jornalistas respeitados, como Lasier Martins e Rogério Mendelski, costumam falar é um problema de toda a grande cidade. O professor de jornalismo da USP, Bernardo Kucinski, em seu livro A Síndrome da Antena Parabólica, critica a maioria dos jornalistas, que "tentam resumir a vida em tabelas de computador ou em debates de nível ginasiano ‘contra e a favor’". Na verdade, ele falava da relação da mídia com Fernando Henrique, mas aproveito sua afirmação para corroborar a minha tese.
O Jornal do Almoço inaugurou ano passado uma série de reportagens sobre segurança pública, em que perguntava no fim: "Onde está o policial?". Como disse o professor Kucinski, isso nada mais é que uma redução de um problema complexo a um debate de "nível ginasiano". A solução é, para os veículos da RBS, mais policial na rua.
Sabemos que não se acaba com a violência urbana apenas colocando mais policias nas ruas. Essa é uma questão que envolve uma série de problemas sociais – de condições aos policiais e aos próprios bandidos que, se pudessem trabalhar e sustentar sua família, acredito, não iriam assaltar taxistas. Problemas esses que vêm de longe, não são discutidos na imprensa, mas que o Mendelski jura que são culpa do PT. E outra: é impressão minha ou Porto Alegre ficou perigosa, o sistema carcerário gaúcho tornou-se obsoleto es as polícias civil e militar despreparadas só depois do 1o de janeiro de 1999?
O problema é que, nesse e em muitos outros casos, a credibilidade de nossos jornais é afetada por interesses outros, dos donos das empresas que comandam o monopólio gaúcho das comunicações. Quando Olívio assumiu o Governo, a editoria de polícia de ZH, que havia sido quase que abolida pelo antigo diretor de redação Augusto Nunes, tornou-se uma das mais atuantes. Assaltos e assassinatos voltaram a virar manchetes. Por quê? Ora, só para lembrar: na época da privatização da CRT, a RBS instalou o pensamento de que a empresa era defasada e deficitária e, logo depois, abocanhou-a. Quando a CRT sofreu intervenção, li uma notinha na capa, quase escondia pela trágica manchete da morte das crianças em Uruguaiana (edição que deve ter vendido bastante). Outra: em uma recente matéria do Segundo Caderno ("A Casa não decolou") sobre o "fracasso" da Casa de Cultura Mário Quintana, a jornalista de ZH, diante de alguns depoimentos positivos sobre a CCMQ, conforme contou um dos diretores a uma posterior entrevista ao Jornal Já, perguntava: "tá, mais não tem nada de ruim acontecendo?". Muito parecido, inclusive, com as entradas ao vivo de uma repórter no Jornal do Almoço, que tentava "encontrar" policiais nas ruas de Porto Alegre e, surpreendentemente, nunca conseguia.
Feita a lembrança, afirmo, sem nenhum constrangimento, que a RBS não quer o PT em nenhum governo e, para conseguir isso, pretende instalar um pensamento único no estado de crítica ao governo e à prefeitura de POA, ouvindo sempre apenas o lado que interessa. Nessas horas sou eu que faço a pergunta: onde está o jornalista?
E não é só isso. Com a chegada da campanha para prefeito, os candidatos da oposição na capital fazem coro à RBS e afirmam, em debates e entrevistas, que vão acabar com o problema da segurança, assim como também vão gerar mais empregos e acabar com o caos no trânsito. É o que eu chamo de burrice demagógica. Como vão acabar? Não dizem. É um assunto que não interessa a eles responder. O que mais me intriga, no entanto, é que não há ninguém para perguntar.