Hi-fi
Por Fabiano Goldoni
O sonho de todo homem é ser fiel. Ou para você anotar no seu caderninho de frases: "A grande fantasia sexual dos homens é ser fiel a uma só mulher." Todos os dias eu me deparo com amigos, conhecidos e estranhos que andam pelas ruas, pegam elevador e esperam na fila do banco fazendo só uma coisa: desejar própria fidelidade. Meu maior exemplo para isso é um amigo meu que é fiel como um Poodle de perua. Pra ele, é a namorada na terra e as outras no inferno. Ele é do tipo que não fala de Fórmula-1 na frente da namorada porque sabe que isso é motivo suficiente para uma greve de sexo até ele pedir desculpas. Uma das poucas liberdades dele é ir tomar chope comigo uma vez por semana. E numa noite dessas, depois de uns 5 ou 6 chopes, ele me olhou com olhar daqueles de cachorro triste e disse devagar, palavra por palavra: - "Cara, eu não consigo ser fiel." Apertei as sobrancelhas como quem pede explicações sem entender nada. Então, ele bebeu um baita gole com a boca bem aberta, quase engolindo o copo. Na verdade, foram três ou quatro goles. Limpou o queixo com as costas da mão e completou: - "Agora que eu tô bêbado, eu vou falar." De mão fechada, ele batia no próprio peito: -"Eu quero ser fiel, mas não consigo." Olhou pros lados, desconfiado de que alguém mais do que eu tenha escutado e completou: - "Juro que eu quero, mas eu encontro uma mulher mais interessante do que a minha a cada esquina que dobro." Fiquei tão pasmo que a minha única reação foi apontar pra mulher mais feia que eu vi pela frente e perguntar: - "Então, o que que aquele bucho ali tem de interessante pra ti?" Ele se virou sem se importar com a hipótese dela perceber e disse, analisando de alto a baixo aquela mistura de Dercy Gonsalves com Pedro de Lara: - "Não sei. Só sei que se ela soubesse a meia cancha , só a meia cancha do Inter de 79, eu beijava ela como se eu tivesse 16 anos de novo." Quanto mais bêbado ele ficava, mais ele falava e, quanto mais bêbado eu ficava, mais eu entendia ele. Aquele cara, ali na minha frente, deixou de ser o meu amigo, que eu conhecera desde os 5 anos de idade, e varou a noite provando ser a própria enciclopédia sexual masculina.
A verdadeira fidelidade, dizia ele, não está em não trair de fato, está em não trair nem em pensamento. A traição de fato qualquer advogado recém saído da faculdade prova que existiu, mostra fotos, dá flagrante e ainda cospe na cara da cliente. Mas a traição de verdade ninguém prova. Ela está vedada a consciência de quem pensa na outra. E ninguém prova. A única exceção é a dos que falam dormindo. Esses são pegos no primeiro sonho com aquela colega de trabalho gostosa. O verdadeiro fiel olha pra bunda das outras na rua só pra reparar na saia, pra ver quem está de verde-musgo ou beje, só. Este ser, o fiel que todo homem fantasia ser um dia, só pensa na própria mulher, e considera as outras, simplesmente, outras. De gole em gole, ele foi explicando tudo sobre o drama de conviver com a tentação da vagina alheia.
Só a fidelidade salva. Antigamente os homens conviviam com a própria infidelidade como se fosse uma característica natural. Pode-se dizer até que ser infiel era uma virtude. Segundo meu tio por parte de mãe, era super comum um pai de família bater nas costas de outro e perguntar: -"E aí, comeste aquela tua secretária, ou vai deixar pra mim?" Mas, a partir dos anos 90, a infidelidade é vitimada pela AIDS. Isso mesmo: a infidelidade se tornou a Joana D'Arc da AIDS, pois desde então, não existe mais infidelidade sem a presença asséptica e sacana da camisinha. Eu sei que neste momento tem gente gritando igual a porco esfaqueado em prol do uso da camisinha também nos relacionamentos estáveis. Posso até ouvir os espasmos de "Machista! Machista!"
Ora, não vamos ser hipócritas. Todo mundo sabe que não existe, simplesmente não existe na vida real, um longo relacionamento unido pela camisinha. A camisinha, essa bênção do sexo livre, é dada como solução para o sexo casual, mas não como um terceiro elemento na cópula entre parceiros estáveis. E é aí que está o grande motivo da busca da fidelidade total e irrestrita: a camisinha é um saco (com o perdão do trocadilho). Alguns dizem que é como chupar bala com papel, mas a prática prova o contrário: quem chupa bala com papel ainda corre o risco de sentir um pouco do gosto. O sexo com camisinha tem a graça de um bailarina de poncho e chocalho. Não existe nada que imite o prazer de sentir na pele a umidade da genitália feminina.. Sendo assim, só podemos concluir que não existe nada que imite o prazer da fidelidade.
O pior não é apenas o fato da camisinha tornar a infidelidade profundamente sem gosto e só comparável a uma piada mal contada. Pior mesmo é o Saara que está colocado entre a fidelidade e os homens. Somente os que tiverem a fé de um Roberto Shiniashik é que podem atravessar essa imensidão desgraçada para chegar do outro lado sorrindo e pronto pra dar um grande abraço na amiga fidelidade, correndo de queixo erguido e dizer batendo no peito como um Maradonna: "Agora, eu sou fiel." E acabar com essa asma sufocante de desejar sem poder tocar.
No outro dia, depois de ouvir o Enciclopédia, (Até hoje eu o chamo assim quando falamos de mulheres) liguei perguntado se ele lembrava do que tinha falado. Ele: - "De tudo. Lembro até eu botei fogo numa camisinha no meio do bar. Lembro do garçom pisando em cima pra apagar e saindo com ela grudada embaixo do sapato." Aconselhei o Enciclopédia para que continuasse na sua incessante busca da verdadeira fidelidade e que mandasse um e-mail do paraíso quando chegasse lá.
25/07/00