O peso da felicidade
Por Fabiano Goldoni
Definitivamente a felicidade é ser gordo. Digo isso lembrando de um colega meu do tempo do colégio, o Didi. Ele sempre foi gordo; era gordo de nascimento. E, ao mesmo tempo, ele era o cara mais boa gente da turma. Sempre ostentando a barriga de gelatina, ele vivia sorrindo e aprontando com as irmãs do colégio. O cara era tão feliz assim, que ninguém tinha a coragem de fazer piadinhas sobre a banha que lhe pendia das calças como massa de pão que sai da forma. Nem de bolo-fofo o chamavam. A felicidade dele em ser gordo fazia de seu defeito uma virtude.
Anos depois, eu reencontrei o Didi. Gordo e, como sempre, ele ria sem motivo. Isso, ele ria. Eu disse "sorrindo" a pouco, mas me enganei. Ele ria, mesmo. Cada vez que a gente se encontrava, parecia que tinham lhe contado uma piada de corno (ninguém se atreve a não rir de uma piada de corno, é como dizer: "tá rindo do quê? Eu sou corno, e daí?"). Ele apertou a minha mão rindo, conversou sobre o passado rindo, falou de mulher rindo e se falássemos de alguém que morreu, certamente, ele diria que sente muito às gargalhadas. O Didi era a própria felicidade com a barriga a cair sobre o cinto.
Não há um gordo que não seja camarada. E cada vez que eu digo isso lembro de outro pão-com-banha alegre. O vendedor de passagem do centro era um. Digo "era" porque sumiu, do nada, desapareceu do meu caminho diário para a estação do metrô. Ele tinha a simpatia de me cumprimentar só por eu passar todos os dias por ele. Agora eu me arrependo de não ter parado uns dez minutos pra perguntar o nome, ou de repente, saber como anda a família mesmo sem saber se ele tinha uma. Ele me via e acenava com a cabeça pra frente num reflexo rápido e dizia "ô". Hoje, no lugar onde ele ficava, tem um cara mais novo e mais magro. Bem mais magro, eu diria. De cavanhaque, sempre com as mãos no bolso e um andar meio que na ponta dos pés, ele fica gritando com os motoristas de táxi quando eu passo.
Penso que todo gordo é feliz porque ser gordo é libertar-se. É um estado de espírito que só quem é gordo consegue descrever. É não precisar contar as calorias na hora de comer. É poder comer um bauru do Trianon com bife duplo e ovo duplo. Ser gordo é, basicamente, olhar os magros com ar de pesar. É ver no magro um cordeiro manso e resignado que acredita no milagre do DietShake, enquanto a única preocupação do gordo é ganhar dinheiro pra ser feliz à mesa ou no Drive Thru.
Eu invejo os gordos como as mulheres invejam a Gisele Bünchen. Se eu pudesse, tomava deles toda a banha que reveste seus corpos alegres. Mas infelizmente eu também sou vítima da magreza. Nado, como fibras no almoço e Corn Flakes com granola no café da manhã. Eu sou assim como você: um pobre coitado que não tem coragem de ser gordo.
Tem dias que eu acordo com uma vontade de pegar a primeira magra que eu encontro na rua e gritar sacudindo lhe pelos ombros: "Seja gorda! Por favor, engorde logo!".
12/07/00