Quinta-feira, eu aos seus pés
Por André Takeda
Hoje é quinta-feira, não uma quinta-feira qualquer, não uma quinta-feira como todas as quintas-feiras do calendário, não uma quinta-feira que nasce das vinte e quatro horas da quarta-feira, não uma quinta-feira que antecede a tão esperada sexta-feira, não uma quinta-feira que traz em seu horizonte o final de semana, sim, hoje é uma quinta-feira diferente de todas as outras quintas-feiras que existem, porque hoje é a quinta-feira que Deus escolheu para nosso encontro, é a quinta-feira pela qual sonho todos os dias do ano, é a quinta-feira que você, mesmo sem eu pedir, vem até mim, com seus passos firmes que ecoam por estas paredes anciãs, com seu sorriso de dentes uniformes, com seus cabelos milimetricamente despenteados, e com seus sapatos, ah sim, seus sapatos que são a base do altar no qual você me tem de joelhos, seus sapatos que me fazem perder a fé, seus sapatos que são objetos de minha imaginação durante trezentos e sessenta e quatro dias por ano, seus sapatos que fizeram de minha madrugada insône, eu ali em minha cama, revirando-me de um lado para o outro, lembrando dos sapatos que você usava no ano passado, dos sapatos que você usava no ano retrasado, dos sapatos que você usava no primeiro ano em que cruzou por este portão que insiste em ranger, assim como range minha alma por dentro cada vez que toco o couro de seus sapatos, cada vez que vejo o formato dos saltos de seus sapatos, cada vez que percebo os detalhes de seus sapatos, sim, hoje é a quinta-feira que verei você, você e seus sapatos, seus sapatos e você, você que é diferente de todas as outras mulheres que vem até mim, não, não precisa lembrar, eu sei que não entendo muito de mulheres, mas eu entendo de sapatos, já perdi a conta de quantos pés descalcei, acredite, eu entendo de sapatos, e, mesmo cheio de dor e culpa, decidi o que irei fazer quando você sentar à minha frente nesta quinta-feira, vou deixá-la de sapatos e, sobre a meia-calça que tenho certeza que estará usando, irei beijar o peito de seu pé, sim, quero arder no inferno, quero arruinar minha vida, quero trocar o lava-pés por beija-pés, quero, sobretudo, ressuscitar o homem que ainda existe dentro de mim, porque você sabe, hoje não é uma quinta-feira qualquer, hoje é quinta-feira santa, minha santa, amém.